(Abellio1965, p. 24-25)
Para tentar então compreender como se impõe a presença positiva da intuição (ou, o que dá no mesmo, da percepção) e determinar que relações dinâmicas são estabelecidas por ela entre “sujeito” e “objeto”, procurei colocar essa percepção em “estrutura”, mas não apenas em uma estrutura bipolar sujeito-objeto, que nada mais dá do que essa dualidade aberta, porque esses dois conceitos, nessa simples bipolaridade, são essências últimas e irredutíveis. Como proceder? Ao recusar considerar estes conceitos como “isoláveis em si”. Ambos deveriam aparecer como pólos em seus respectivos campos universais. Agora estava claro, por exemplo, que qualquer objeto “isolado” só pode aparecer se se destacar no fundo indistinto do mundo. Existe uma dualidade do lado do percebido, e o mundo inteiro constitui o segundo pólo desta dualidade. Mas é o mesmo do lado de quem percebe. O sujeito não pode ser reduzido ao seu órgão dos sentidos: o seu olho vê, mas é todo o seu corpo que percebe, a percepção é globalista e integra a sensação “local”, a multiplicidade dos sentidos é dialetizada e integrada no Sentido. Em outras palavras, o órgão dos sentidos se destaca em todo o corpo como o objeto no fundo do mundo. Em última análise, não se trata apenas de uma relação, mas de duas, ou seja, de uma proporção. Este fato é crucial, porque, se olharmos bem, não é a relação “isolada” que é o elemento básico do movimento dialético, mas a proporção. Não foi à toa que Platão fez da “mediação”, isto é, da proporção, o quadro do Logos. Nas nossas ciências humanas modernas, ainda nos limitamos a tomar como elemento estrutural a dualidade bipolar conhecida como par de oposições, ou seja, uma relação. Este fato por si só explica porque é que estas ciências não conseguem desenvolver-se dialeticamente. Se as suas “estruturas” começam a mover-se, é como um par de forças mecânicas que não se confrontam com um par antagónico: esta rotação é vazia, não produz trabalho. O mesmo acontece com o chamado raciocínio “por analogia”, que os esoteristas querem opor ao raciocínio lógico-dedutivo: a analogia une duas palavras, mas só produz imagens poéticas mais ou menos brilhantes, mas descoordenadas, que não podem ser colocadas em discurso, um brilho de pontos de luz vibrando separadamente na profundidade suave do mar.
Cheguei assim à primeira regra da estruturação: num determinado campo, a primeira “fase” da estruturação consiste em reconhecer quatro pólos distribuídos em dois pares antagônicos, que engajam o movimento dialético por duas rotações em direções opostas. Esta regra, todo o presente trabalho tentará mostrar a sua universalidade. A segunda “fase” também é síncrona com a primeira. Com efeito, as duas rotações em direções opostas exigem a presença de um eixo de rotação próprio bipolar que marca a “evolução” ou melhor, a abertura do sistema nas duas direções opostas da diferenciação e integração igualmente crescente do campo. Como nenhum campo pode ser considerado fechado, é necessário que a estrutura sirva como uma espécie de dobradiça comum a todos os campos “sucessivos”, cada vez mais alargados e cada vez mais integradores, antes de ser, no “fim” do processo, a estrutura única e unificadora do universo, ou seja, do campo de todos os campos. É, portanto, em última análise, um conjunto de seis pólos dialeticamente ligados que constitui a estrutura absolutamente imóvel e imutável cuja presença queremos encontrar em todos os “níveis” e em todas as “ordens” de manifestação. Também comumente a chamamos de estrutura senária ou, mais simplesmente, senário. Das duas últimas polaridades, veremos que uma “desce” e está enraizada na multiplicidade, a outra “ascende” em direção à unidade. Na linguagem dos teólogos, a primeira indica a encarnação, o segundo, a assunção. Pareceu-nos conveniente utilizar uma representação geométrica sobre este assunto: a estrutura absoluta assume assim a forma de uma esfera cujas primeiras quatro polaridades, dispostas em cruz, ocupam o círculo equatorial, enquanto as duas últimas representam o eixo vertical da rotação global (Fig. 2). Sabemos que os esoteristas usam e abusam destas representações geométricas, nomeadamente triângulos e cruzes, que obviamente só têm valor pelo seu conteúdo simbólico e sobretudo pelo movimento dialético das suas polaridades. Houve muita ingenuidade neste espanto de Gide que um dia se perguntou como se podia adorar um triângulo: era porque não sabia ver ali a “santíssima trindade”, outra questão era se os próprios crentes realmente a viam ali. A noção de dialética é tão estranha aos esoteristas atuais que eles não indicam nenhum movimento entre os pólos dos seus diagramas e podem assim entregar-se, nas suas construções e nas suas designações, à maior fantasia. Suas figuras geralmente não são vetorizadas ou, se o são, são de forma linear e sem feedback real, enquanto no “limite”, isto é, no universal, a estrutura deve ser vetorizada de todas as maneiras possíveis, pois, em termos absolutos, não podemos reservar a “originariedade” a um pólo em preferência a outro: eles são todos originais juntos (co-originais) e, ao mesmo tempo, nenhum o é, porque a estrutura está fora do tempo, pertence ao transcendental. Nesta representação, os dois hemisférios de “topo” e “base” refletem noções que receberam, dependendo dos autores ou doutrinas, vários nomes entre os quais a estrutura absoluta restabelece assim a coesão e a unidade. Enquanto os teólogos, como dissemos, falam de encarnação (hemisfério inferior) e de assunção (hemisfério superior), os ontólogos modernos falarão respectivamente de ser em si e de ser causa de si, sendo o círculo equatorial então ocupado pelo ser para si. O próprio distanciamento das polaridades dentro da esfera dá conta do Aberto de que fala Heidegger para caracterizar o ser e da distância que se estabelece entre o ser e o ente. Todas essas disparidades de vocabulário, que se devem à própria dispersão das “filosofias”, encontram-se necessariamente em nosso texto, pois queremos mostrar que todas essas noções, aparentemente distantes umas das outras, podem ser escritas num movimento comum onde são reduzidas. A estrutura absoluta, afinal, é uma Ideia que dispensa palavras, é até a Ideia suprema. No mesmo espírito, apelamos frequentemente a exemplos retirados da tradição esotérica, que são explicados da mesma forma. Não damos de forma alguma estes exemplos como prova da nossa tese, mas como ilustrações dela: é a nossa tese que “demonstra” quando possível estes “dogmas” tradicionais e não o contrário. Queremos assim revelar o significado mais profundo de certos ensinamentos originais da tradição, como a crucificação e a elevação da cruz, e não confiar neles. Na nossa descrição do Gênesis, fizemos, por exemplo, uso sistemático e abrupto, à primeira vista surpreendente, das noções de batismo e de comunhão que pertencem à tradição cristã e cujo significado ontológico acentuamos, o que de modo algum aparece no uso comum. Não acreditamos que sejamos de todo infiéis a este mesmo uso, que nada ganha com a sua banalização, e pedimos que sejamos poupados de censuras legítimas mas fáceis. Em nossa opinião, existe um simbolismo dos sacramentos que vai muito longe e muito alto se admitirmos conosco que marca as etapas de toda a génese e a decomposição de cada “momento”. O mesmo se aplica às figuras de Jesus e de Cristo, ou mesmo de Ha-Adam e Adão, que vão, como sabemos, muito mais longe do que a atribuição histórica que lhes fazemos. Se nos objetarem que não podemos ganhar nada misturando terminologias e estilos desta forma, responderemos que talvez existam hoje, na filosofia como na religião, vocabulários que criam ilusões e que permaneceram autônomos durante demasiado tempo. Na filosofia, demasiados conceitos fecharam-se em si mesmos para o prazer exclusivo dos pedantes e dos escolásticos; na religião, demasiados símbolos “isolados” servem de suporte à superstição ou à apostasia, e é tempo de dar pleno sentido à noção de ídolo. Não conseguimos, portanto, ver como a regeneração do que chamamos de significado “metafísico” poderia ser separada daquilo que chamamos, por outro lado, sem especificar mais, a regeneração do “sagrado”, quando ambos se relacionam com a prévia e simultânea estruturação de noções que se tornaram igualmente banais e com a sua reinserção comum numa Presença universal. Isto leva-nos, e isto é crucial, a situar finalmente a estrutura absoluta na perspectiva da fenomenologia de Husserl, que se abre no Noûs transcendental e mesmo no Eu, e assim encontra, através de um regresso ao início que é também o fim localizado no infinito de que fala Husserl, o fundamento radical, ao mesmo tempo original e retroativo, de todo o conhecimento. Para proceder, em qualquer nível, à estruturação, devemos, como vimos, dotar-nos de um campo e designar quatro pólos que possam efetivamente ser mobilizados numa dialética. O que resulta desta doação e desta designação? Só podemos responder: conhecimento “adquirido”, que emerge assim do seu estado de “síntese passiva” por um ato imediato de “síntese ativa”. É claro que se deve admitir que o conhecimento é dinamogênico, o que significa que no contato entre o homem e o mundo “externo” ele se autointensifica permanentemente: reintegra no Eu o mundo reduzido pela ciência e, ao mesmo tempo, abre novos campos de ciência no mundo reduzido pela ciência. Mas como podemos conceber o “início” e o “fim” deste processo? Para iniciar o movimento, deveríamos falar, no “início”, de conhecimento “inato”? Acima de tudo, como podemos validar este movimento, legitimá-lo aos olhos da nossa razão? O postulado da interdependência universal e da intersubjetividade permite-nos recorrer a “guardiões” desconhecidos ou a uma inteligência inconscientemente enterrada dentro de nós e que dirige os nossos primeiros passos. Mas mesmo que a fenomenologia se recuse a recorrer a este animismo ou vitalismo irredutível, permanece o fato de que ela é, no entanto, obrigada a dotar-se de pelo menos uma base ontológica. O complexo intencional de sujeito e objeto no qual Husserl se detém só pode constituir a própria estrutura da percepção na medida em que o próprio mundo está, até certo ponto, presente antecipadamente à consciência através do seu ser. Depois de Kant, que falou sobre o tema da “imaginação transcendental”, Heidegger chama de “compreensão pré-ontológica” esta atividade subjacente e permanente que, por trás de cada objeto, vê um ser, e que já retira o objeto de suas determinações simplesmente ônticas. Consideraremos este postulado equivalente ao nosso, e até mostraremos que a estrutura do ser e do ser não é outra senão a estrutura absoluta. Isto admitido, e o conhecimento assim fundado, dá início à distribuição dos campos. As noções de campo e polarização estão obviamente associadas. Não podemos sequer considerar um campo tão bem formado ou tão relevante no que diz respeito à intencionalidade que nos atrai para ele, a menos que seja estruturável de acordo com as normas da estrutura absoluta.