Abhinavagupta (AGLT:86-87) – ignorância espiritual e intelectual

36. O conhecimento e a ignorância se apresentam, de acordo com o ensinamento de Śiva, em duas formas distintas: uma espiritual (paurusha) e a outra intelectual (bauddha).

37-38. A ignorância espiritual é o que se chama de impureza (mala). Surgindo da mente, ela é o véu que oculta nossa própria natureza divina, que é atividade e consciência em sua plenitude. (Essa ignorância) vem de uma atividade e consciência contraídas. Ela é peculiar ao ser escravizado e não pertence ao reino diferenciado, nem ao intelecto, pois sua função não é a determinação (adhyavasāya), e assim por diante.

Jayaratha cita aqui os śloka 15 e 16 do Paramārthasāra (cf. Le Paramārthasāra, de Abhinavagupta, tradução e introdução de Lilian Silburn, p. 68 (Paris, de Boccard, 1957, reimpressão de 1986)): “A deusa Māyāśakti, a Energia da ilusão, é a suprema autonomia do grande Senhor. Ela realiza coisas extremamente difíceis. Ela é o véu que cobre o Si de Śiva”. (15)

“Assim que, nas garras da ilusão, a consciência do despertar (bodha) é contaminada, ela se torna uma alma individual (pumân), um ser subserviente. Ela é limitada pelo tempo, determinação, restrição e por meio do desejo e do conhecimento (limitado).” (16)

De acordo com o śloka 37 e essa última citação, mala, que traduzimos, de acordo com o uso comum, como “impureza” ou “contaminação” (e, portanto, o adjetivo malita, como “impuro”, “contaminado”), não corresponde, nas tradições sivaítas, ao que normalmente entendemos por essas palavras. Mala não é uma impureza resultante de um ato ou contato impuro: é uma impureza ligada à própria condição natural do ser humano que vive neste mundo, que é descrito como um anu, um “átomo” espiritual, ou seja, uma entidade delimitada, separada por sua própria natureza da totalidade divina. Os textos se referem a essa impureza essencial, constitucional ou natural como “ânavamala” ou “sahajamala”.

O ser sujeito a mala, ou seja, todo ser humano, é impuro apenas na medida em que sua natureza limitada o separa da pureza divina, da Consciência suprema. É por isso que Abhinavagupta chama mala de ignorância espiritual do ser encarnado.

39-40. “Isto eu sei assim”: quando essa noção determinada aparece, causada pelo reflexo (da luz) no indivíduo preso pelas seis “couraças”, diz-se que tal conhecimento é “ignorância (intelectual)”. A ignorância espiritual e a ignorância intelectual se reforçam mutuamente.

Quando o conhecimento não se refere apenas àquilo que deve ser conhecido, Śiva ou o Si universal, ele é limitado. Situado no nível de buddhi, o intelecto, ele é apenas intelectual, imperfeito porque é impedido pelas cinco couraças (kañcuka) que envolvem o eu limitado: kāla, tempo, niyati, restrição ou necessidade, rāga, apego, vidya, conhecimento limitado e kalâ, limitação, aos quais se acrescenta māyā, que faz seis.

41. Quando as tendências inconscientes (samskāra) do ser escravizado se esgotam e ele obtém o estado supremo, o conhecimento espiritual (vijñānampauruşam) que então floresce é um conhecimento sem diferenciação, (capaz de apagar a alternativa e a dualidade). (p. 86-87)

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