Calasso (NCH) – Odisseu (3)

Só entre os chefes aqueus Odisseu mantém os olhos baixos. Não por medo. Ao abaixar os olhos, Odisseu concentra a mente, isolando-a do resto, como seus companheiros não estão habituados a fazer, urde uma trama, dá forma a uma mechane. E o oposto do homem continuamente oprimido entre forças, entre máquinas, entre as mechanai da natureza e dos deuses. Àquele invisível novelo Odisseu agrega novas mechanai, mas desta vez elaboradas por ele. Agora conhece o segredo, não deve apenas suportar consequências. Assim, aumenta a confusão dos elementos e depois disso se aproveita para fugir das armadilhas. A frontalidade do herói não o atrai. Odisseu recua um passo rumo à mente tortuosa de Cronos para tomar impulso e lançar-se para além do herói. Quando os heróis estiverem mortos ou ultrapassados, Odisseu continuará olhando para o mar do qual espera a morte, fantasiando retomar a viagem, quem sabe em direção à terra onde os homens não conhecem o sal.

Odisseu e Édipo, os mais inteligentes na galeria dos heróis, foram mortos e mataram por engano. O primeiro foi morto pelo filho Telêgono, que não o reconheceu; Édipo mata o pai Laio, sem o reconhecer. Em ambos os casos por uma briga fútil: pela precedência numa encruzilhada, porque os guardiães do palácio de Itaca discutem com um desconhecido. A lucidez de Odisseu e de Édipo exala em torno deles uma opaca névoa assassina.

(CalassoNCH)

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