Alan Watts — A Vida Contemplativa
União com Deus
Há dois modos de se alcançar a casa vizinha. Um é dando a volta ao mundo e o outro, caminhando uns poucos passos. Há também dois modos de se encontrar o céu. Um é subir, subir em busca de um firmamento sempre fugidio e o outro é compreender que, aqui na terra, já nos encontramos no céu e que nosso planeta é, de fato, um dos corpos celestes. É fácil perdermo-nos na caminhada à volta do mundo até a casa vizinha e mais fácil ainda desesperarmos na tentativa de alcançar uma altura infinita. Esses dois modos de abordagem são repetidamente exemplificados na história da vida espiritual do homem. Houve certas religiões, como o budismo primitivo, o neoplatonismo, certas formas de ioga, o gnosticismo, etc, que ressaltavam a dificuldade de ascensão do homem ao estado divino. Essas são religiões do eros, da ânsia infinita do homem para chegar a Deus; seu estado ideal é normalmente de identificação com a Realidade final em que a alma, por assim dizer, absorve Deus. Há, por outro lado, religiões que ressaltam o caráter de concessão da união com Deus, religiões que concebem a vida espiritual como a aceitação e a afirmação de uma realidade presente. Essas religiões são do agape, religiones naturaliter Christianae, e compreendem muitas formas do budismo mahayana e do hinduísmo, do taoismo primitivo e, naturalmente, do próprio cristianismo. Essas religiões, quando tendem para a teologia panteísta, não contêm uma manifestação explícita da concessão da união com Deus, vez que o panteísmo considera essa união necessária e automática; afirmam, entretanto, que essa união não tem de ser atingida mas sim realizada, por ser, desde o seu início, uma realidade presente. Em outras palavras, essas religiões descobriram por experiência própria o amor de Deus pelo homem, mas ressentem-se de uma teologia para expressá-lo e interpretá-lo. Muito frequentemente, o primeiro tipo de religião se transforma no segundo. A alma, em seu empenho em atingir, por seu próprio esforço, o estado divino, chega a um ponto de total desespero e subitamente desperta, com um choque de grande luminosidade, para o fato de que o estado divino simplesmente EXISTE, a cada momento, não precisando ser atingido. Por exemplo, o budismo Zen da China e do Japão desenvolveu toda uma técnica de meditação envolvendo essas duas fases e denomina de satori, ou despertar súbito, o choque repentino da passagem da primeira para a segunda fase. A Encarnação, a vinda de Cristo, é satori no plano da história humana, a mudança súbita da velha ordem de se empenhar pela redenção mediante a obediência à lei para a nova ordem de consecução da redenção pela dádiva da divina graça.1

Enquanto tudo estava no maior silêncio e a noite ainda ia em meio, tua Palavra Divina, Senhor, ressoou do trono real, aleluia.2

Em meio da escura noite do desespero da alma face à frustração do eros, reluz o agape de Deus — a compreensão de que embora a alma seja impotente para atingir a união com Deus, Este, com seu amor infinito e imutável, fez a Sua própria união com a alma.

O significado da Encarnação, portanto, é simplesmente que não se tem de atingir a união com Deus. O homem não tem de subir ao infinito e transformar-se em Deus, pois, por amor, o Deus infinito desce ao finito e se torna homem. Não obstante a rejeição de Deus pelo homem, seu orgulho, seu medor seu envolvimento inevitável e desesperado no círculo vicioso do pecado, a natureza de Deus permanece inalteravelmente de amor — o agape que consiste em dar-se inteiramente e sem reservas ao ser amado. O Verbo eterno, o Logos, portanto, se transforma em carne, fazendo sua a nossa natureza e assumindo as nossas limitações, sofrendo as nossas dores s morrendo como nós. E mais do que tudo isso, suporta a carga dos nossos pecados, isto é, permanece em união conosco, mesmo que o crucifiquemos e lhe cuspamos em cima; ele continua a morar em nosso íntimo e a oferecer, ou sacrificar, as nossas vidas a Deus, mesmo que venhamos a cometer todas as formas imagináveis de depravação. Em resumo, Deus casou-se com a humanidade, uniu sua essência divina ao nosso ser mais íntimo, “para o melhor e para o pior, para a riqueza e a pobreza, na doença e na saúde”, por toda a eternidade, mesmo que escolhamos a nossa condenação.

Se eu subir ao céu, tu ali estarás; Se eu fizer minha cama no inferno, Eis que tu também lá estarás.

Tudo que nos resta fazer é dizer: “Sim — Amém” a esse tremendo fato, e isso ainda está dentro do poder de nossa natureza degradada. Nosso motivo para dizê-lo, por mais pervertido que esteja pelo orgulho e pelo medo, não faz a menor diferença,, porque o fato é um fato: a união com Deus nos foi concedida, gostemos ou não, queiramos ou não, saibamos ou não. Nossa carne se transformou em Sua carne e não há como sairmos de nossa própria pele. E tão logo compreendamos a futilidade do nosso orgulho, que não podemos subir até Deus nem, por uma questão de orgulho, impedir que Ele desça até nós, o soberbo núcleo do egoísmo estará simplesmente dissolvido — sobrepujado pelo amor de Deus. A função da espiritualidade e da moralidade cristãs não é conquistar ou merecer essa dádiva da vida eterna, mas antes apreciá-la e expressá-la. A santidade existe não para atingir a união com Deus, mas para agradecê-la, pois essa união não é, como no panteísmo, um fato inerente, automático e necessário do nosso ser; é uma dádiva inteiramente livre, espontânea e dispensável do Deus vivo e amoroso, uma vez que o coração do Ser não é um mecanismo ou uma lei, mas vida. O inferno não consiste em ser privado da união, mas no fracasso deliberado de apreciá-la, em um estado de alma tão perverso que o amor e a dádiva da união se tornam tão repulsivos a ponto de parecerem não a luz da glória, mas um fogo terrível e consumidor. As chamas do inferno são, de fato, o amor inevitável de Deus.3

Esta verdade da nossa união com Deus é precisamente a “boa nova”, o Evangelho, do cristianismo, por mais que ele possa ter sido enfraquecido e obscurecido, com a passagem do tempo, pela timidez e obscuridade teológicas. “Mas a todos os que a receberam (isto é, aceitaram), dou-lhes o poder de se fazerem filhos de Deus”, diz São João no prólogo de seu Evangelho. A expressão “filhos de Deus” não significa criatura de Deus, mas aquele que é da mesma natureza que Deus, “participantes da natureza divina”, nas palavras de São Pedro. Ainda mais clara é a natureza da dádiva segundo o relato de São João da oração de Cristo após a Última Ceia: “Para que todos sejam um, assim como tu, Pai, o és em mim e eu em ti, para que também eles sejam um em nós… Eu lhes dei a glória que ME deste, para que sejam um, como também nós somos um. Eu estou neles e tu estás em mim, para que sejam consumados na unidade, e para que o mundo conheça que tu ME enviaste e os amaste, como amaste também a mim. . . pois ME amaste antes da criação do mundo… E eu lhes fiz conhecer o teu Nome, e lho farei conhecer para que o amor com que tu ME amaste esteja neles, e eu neles”.4

Nada pode ser feito para escapar a essa união, segundo as seguintes palavras de São Paulo: “Porque eu estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as virtudes, nem as coisas presentes, nem as futuras, nem a violência, nem a altura, nem a profundidade, nem outra criatura alguma nos poderá separar do amor de Deus, que está em Jesus Cristo, Nosso Senhor”. (Epístola aos Romanos 8: 38-39) A dádiva da união com Deus, conhecida como o Espírito Santo que habita em nosso íntimo e faz seu templo em nossos corpos, foi a principal fonte do tremendo entusiasmo da Igreja primitiva — um entusiasmo que não mais existe em nossos dias porque toda a força dessa verdade tem sido obscurecida. Durante tantos séculos os ensinamentos da Igreja pouco ou nada têm dito sobre a dádiva da união com Deus a cada corpo e alma individuais, que a religião cristã se tornou um assunto horrivelmente tímido e diluído. Só nos é concedida a “graça”, considerada esta como unia concessão algo arbitrária de um poder impessoal e decorrente da bondade de uma divindade distante; ou, então, a união é diluída por distribuição, como quando se diz que é atribuída a toda a Igreja e não a cada membro individual dela — em absoluta contradição com os claros ensinamentos de Cristo de que toda alma é, individualmente, objeto do amor do Senhor. “Porventura não se vendem dois passarinhos por um asse? E no entanto nenhum deles cairá sobre a terra sem vosso Pai. Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais, pois mais vaieis vós do que muitos pássaros”. (Mateus 10: 29-31) A salvação, o céu, a vida eterna têm sido abordados como alguma coisa que pode ser comprada e vendida ao preço de uma certa dose de virtude e mérito, algo absolutamente possível de ser “obtido no futuro, pois, tendo em vista o sacrifício de Cristo, Deus finalmente concordou em vendê-la a um preço firme. O cristianismo degenerou, assim, em um sistema de moralidade com remotas sanções escatológicas, e na prática é, portanto, uma religião muitíssimo carente de alegria e poder.

A Encarnação é de efeito para cada um e para todos, em todos os momentos e lugares, porque, como um evento local e histórico, é a projeção, no tempo e no espaço, de uma realidade universal e eterna. Ela ocorreu não somente há dois mil anos na Palestina, mas também em toda a natureza humana, em todos os seres humanos, do passado, do presente, assim como ocorrerá com os do futuro. Nas palavras do prólogo de São João, o Logos “era a verdadeira luz que ilumina todo o homem que vem a este mundo. Ele estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o conheceu”. Por esta razão, onde e quando os homens têm conhecido ou vislumbrado a dádiva da união com Deus, o poder da Encarnação tem-se manifestado. A predisposição e a ação de Deus para com a humanidade é sempre a mesma, pois a Sua natureza jamais se modifica e um evento, no tempo e no espaço, não altera a Sua atitude para conosco; simplesmente a revela. Antes e depois de Cristo, a graça e o poder da Encarnação estiveram sempre presentes e a verdade da união com Deus foi sempre verdadeira. Mas para ser comunicada integralmente a criaturas dotadas de mentes temporais e espaciais, ela teve de ser projetada em um evento também temporal e espacial e este, necessariamente, teve, por sua vez, de ser projetado em algum lugar e época.

A grande maioria dos seres humanos sempre teve mentes muito infantis e específicas, e há níveis em que até mesmo as pessoas superiormente inteligentes são ainda como crianças. Para fazer com que uma criança compreenda uma verdade espiritual, universal ou abstrata, faz-se necessário torná-la concreta, específica, e o melhor meio de fazê-lo é ilustrá-la com uma história. Como Deus almejava a dádiva da união e a sua realização para todos os homens e não apenas para uma elite esotérica, introduziu-os em uma história, um mythos, que foi apresentada na vida real, na Palestina, no governo de Pôncio Pilatos. As realidades universais são difíceis de perceber devido à vastidão de sua extensão; para despertarem a atenção, é preciso que sejam localizadas. O ar está- sempre à nossa volta, mas só o percebemos quando começa a ventar.

O Cristo, a dádiva da união, foi transformado em carne concreta, real, por uma razão ainda mais profunda; não somente para que pudesse ser apreendida por nossas mentes concretas, mas também para demonstrar que a união com Deus nos é dada sob as formas material e espiritual, isto é, tanto ao corpo como à alma. A vida física não é, portanto, absolutamente inconciliável com a vida espiritual. As religiões de eros, quase sem exceção, têm menosprezado o corpo, e o cristianismo o tem feito ao ponto de se contaminar com o gnosticismo, o neoplatonismo e o maniqueísmo, ao ponto de os cristãos resistirem à Encarnação e voltarem à influência de eros. A fome insaciável de eros acaba por achar o corpo intoleravelmente limitado. Quando a ambição e o orgulho físicos dão lugar ao orgulho espiritual, o homem anseia por ser o infinito e tenta libertar-se do materialismo. É por isto que todo o misticismo de eros desdenha o mundo e não encontra lugar em uma religião sacramentai e baseada no princípio da Encarnação.

Deus, entretanto, não possuindo qualquer traço de orgulho, ama o elemento material que Ele mesmo criou e não considera absolutamente incompatível com Sua pureza e dignidade espirituais curvar-se para estabelecer união com a terra, com a carne e com o sangue. Assim, para aceitar a dádiva da união não temos de deixar de ser homens e transformar-nos em anjos; não temos de livrar-nos de nossas limitações materiais, de negar nossos corpos e sentidos, pois o Verbo se fez carne e nossos corpos são os templos do Espírito Santo.

Este aspecto fortemente materialista do cristianismo tem sido sempre um obstáculo para aqueles que se orgulham de ter religiões “puramente espirituais”, e, como já vimos, esse tipo de orgulho tem aparecido tão frequentemente na história da religião mística que, em muitas mentes, o misticismo ficou necessariamente associado com ele. Mas, se o misticismo é a consciência da união com Deus, isso não é absolutamente incompatível com a vida física, já que Deus se deu à nossa carne.5

Esses dois princípios essenciais da Encarnação — a localização do universal e a união de Deus com a matéria — continuam como uma testemunha e uma extensão da Encarnação no sistema sacramentai da Igreja. Todo o mistério da Missa, por exemplo, a íntima união da Divindade com o pão e o vinho, gira em torno dessas duas verdades e é menosprezado como um rito “materialista” e supersticioso por aqueles que não apreciam o amor de Deus pelo mundo material. O pão e o vinho são utilizados na Missa porque são, ou eram, nossos alimentos básicos, as fontes de nossa vida material e, portanto, os símbolos representativos dessa vida. Através da Encarnação, a vida, juntamente com a dor e a morte que lhe são inerentes, se unifica com Deus e ascende ao céu. A Missa é, portanto, uma anamnesia, uma reminiscência até o presente não somente da paixão e morte de Cristo, mas também da Sua “gloriosa ressurreição e ascensão”. O Corpo de Cristo — a Hóstia e a Igreja — é o Seu corpo ressurreto e elevado ao céu.

A dádiva da união com Deus significa que nossa vida mental e física, esta em termos de espaço e tempo, tem a dimensão da eternidade. A morte é o fim da nossa vida em relação a espaço e tempo, assim como a cabeça de um martelo é o seu fim em termos de espaço; mas da mesma forma que o martelo resiste ao tempo, não obstante os seus dois “fins”, nós também resistimos até a eternidade, a despeito dos nossos dois fins em termo de tempo, o nascimento e a morte, porque Deus adicionou aquela dimensão às nossas vidas, o que constitui a dádiva da Sua própria natureza eterna. Assim, nossa vida eterna, nossa ascensão ao céu com Cristo, se situa tanto no futuro quanto a resistência temporal do martelo aumenta a sua dimensão espacial. Nós confundimos totalmente a doutrina da vida eterna quando nos referimos a ela como a “vida futura”. A eternidade não significa tempo infindável; é antes um presente indestrutível, pois Cristo não disse: “Antes de Abraão ser feito, Eu fui”, mas “Antes de Abraão ser feito, Eu sou”. A morte material e a ressurreição envolvem, portanto, a transformação da consciência em um presente eterno e não em um futuro permanente. Em tal estado, a dor e a morte da vida temporal são vistas sub specie aeternitatis, isto é, transfiguradas pela compreensão divina, algo como na música, em que acordes, que isolados seriam dissonantes, se combinam em uma sequência harmônica perfeita.

Em síntese, Cristo é, portanto, a dádiva da união com Deus para a humanidade em geral e para os seres humanos em particular. Cristo nasce em nós e vive em nós uma vida de perfeito abandono à vontade divina; Ele morre em nós, e também em nós e conosco ressuscita e sobe ao céu, para a vida eterna da Santíssima Trindade. Somente através da compreensão dessa verdade como um fato presente e já realizado pode nossa vida externa e consciente refletir o processo interno, reflexo este que é a vida da santidade cristã — o fruto, não a causa, da união com Deus.


O fato de uma admitida união com Deus, união essa sem qualquer relação com a virtude ou a santidade, tem sido, em todas as partes e tempos, a alegria principal e secreta de muitos místicos, cristãos ou não. Os escritos profundamente místicos dos podres bizantinos referem-se constantemente àquele fato nos termos mais ousados. “O Logos”, dizia São Gregório de Nissa, “já era o Cristo e o Senhor; aquele que é admitido (como membro da Igreja) se transforma Nele. Ou, segundo São Simeão o Novo Teólogo: “Nós nos transformamos em membros de Cristo, e Este se torna os nossos membros. . . Por mais indigno que eu seja, minhas mãos e pés são também Cristo. Eu mexo a minha mão, que é inteiramente Cristo porque a divindade de Deus está inseparavelmente unida a mim; eu mexo o meu pé e eis que ele rebrilha como o próprio Deus”. E também: “Eu Te agradeço, Senhor, por estares, Tu que reinas sobre todas as coisas, agora, verdadeira e imutavelmente, em um mesmo espírito comigo”; e São Paulo assim se expressava: “Mas aquele que está unido ao Senhor é um mesmo espírito com Ele”.

Esse ponto dificilmente poderia ser mais enfatizado do que neste trecho de São João Damasceno:

Mas nós sustentamos que toda a natureza humana está unida à própria essência da divindade. . . Ele, em sua plenitude, adotou-ME em toda a minha plenitude, e as duas plenitudes se uniram para que, em sua graça, Ele pudesse outorgar a salvação ao homem todo. Pois aquele que não foi adotado (isto é, admitido à natureza divina) não pode ser curado… Ademais, a mente se tornou a sede da divindade, a ela unida em substância, tal como evidentemente é também o caso do corpo.

Manifestações correlatas sobre o fato da união com Deus pelos místicos de Igreja ocidental são bastante familiares e tão numerosas que basta citar, como exemplo típico, o seguinte trecho de Jan van Ruysbroeck:

Mas nossa natureza, que embora feita à semelhança de Deus é em si mesma criatura, recebe passivamente a influência de sua Imagem Eterna. Trata-se daquela magnanimidade que por natureza possuímos na unidade essencial de nosso espírito, em que está unida a Deus segundo a natureza. Isso, entretanto, não nos torna santos ou bem-aventurados, pois todos os homens, sejam eles bons ou maus, a possuem em seu íntimo; mas é, certamente, a causa primeira de toda santidade e bem-aventurança.


NOTAS:


  1. D.T. Suzuki reproduziu, em primeira mão, muitos relatos interessantes desse processo em seus Essays in Zen buddhism, vol. ii. Londres, 1933. Ensaio sobre “The Koan Exercise”, págs. 1-165. 

  2. Antífona do Magnificat nas Vésperas do domingo dentro da Oitava da Natividade. 

  3. Trata-se aqui de uma nítida implicação da doutrina escatológica de Santa Catarina de Gênova. Ver von Hügel: Mystical Element of Religion. Londres, 1927, vol. i, págs, 281-294. Ver também último capítulo deste livro. 

  4. S. João 17: 21-26. A “glória” que Cristo lhes deu é certamente, a Shekinah, que no judaísmo do tempo de Jesus significava algo muito próximo da essência divina. “Ele não indica a radiação ou o brilho, mas a causa central da radiação”. Marshall em HDB, vol. iv, art. Shekinah. Observe-se também que lhes foi dado o amor de Deus, o qual, segundo a teologia de São João, é o próprio Deus e, mais ainda, que lhes foi dado a conhecer o nome de Deus, que no judaísmo mais recente, também significava o próprio Deus. Conhecer o Nome de Deus é participar do poder e da vida divinos. 

  5. O materialismo do cristianismo é, sem dúvida, muito diferente do suposto ” materialismo” da civilização moderna, que de fato não é absolutamente materialismo, mas sensacionalismo — a busca de emoções psíquicas. O mundo moderno é, pelo contrário, altamente desdenhoso da matéria e trata essa substância sagrada indignamente; ele permite enormes desperdícios materiais, cobre a terra cora horríveis estruturas materiais e come, veste, trabalha e vive com um mínimo de requinte material. É interessante observar que o verdadeiro alcoólatra, por exemplo, bebe por força de um estímulo psíquico e não porque aprecie o gosto da bebida, que geralmente ingere de um gole. Os verdadeiros materialistas, como os chineses, admiram um bom bebedor, mas desprezam o simples beberrão.