Alegoria (RACS)

Atualmente, sob a influência do romantismo alemão e da psicologia das profundidades, existe, como observa Jean Pépin, «o hábito de separar claramente a alegoria do símbolo, o artifício didático e a espontaneidade da vida. Para que esta distinção, aliás fundamentada, possa ser tida em consideração a propósito de Dante, tornar-se-ia necessário que ela estivesse incluída nos costumes da época. Ora, tal não acontece. A definição antiga e medieval da alegoria é tão lata que convém a quase todas as variedades da expressão figurada e, em todo o caso, à expressão simbólica».

 

Nem Fílon nem Clemente de Alexandria diferenciam o símbolo da alegoria duma forma tão nítida como parecem supor muitos autores modernos. No entanto, eles não se confundem. A alegoria é simultaneamente um processo retórico e uma atitude hermenêutica ligada ao discurso e a interpretação, ou seja, a uma expressão e a um pensamento, ao passo que o símbolo «reconduz» o significante e o significado ao próprio Significador. Eis porque a alegoria tem o seu fundamento na metáfora e não na anáfora.

A alegoria também não está associada ao mito nem ao rito sagrados, ao passo que o símbolo é a base de toda a dinâmica iniciática e religiosa. Contudo, assim como não podemos separar abusivamente a carne da alma nem do espirito, os textos tradicionais sagrados apresentam uma estreita associação entre três níveis de compreensão, ou melhor, da «realização interior», já nitidamente especificados por Orígenes: «O mais simples é instruído por aquilo a que poderíamos chamar a carne da Escritura, a leitura vulgar. Aquele que progrediu um pouco é instruído, por assim dizer, pela alma da Escritura. O perfeito… é instruído pela lei espiritual, que é a sombra dos bens futuros.» Orígenes repete três vezes a palavra «instruído» por alguma razão. Formula o seu pensamento duma forma mais exata num fragmento do comentário sobre o Levítico: «A Escritura é constituída, de certa maneira, por um corpo visível, por uma alma que pode ser conhecida através do corpo e por um espírito que é o exemplo e a sombra dos bens celestes.» (METÁFORA E ANÁFORA, Tradução para o português de Isabel Braga, do livro “A Ciência dos Símbolos”)

René Alleau