ANANDA: beatitude, felicidade.

Esse termo é geralmente acrescentado, na Índia, aos “nomes em religião”: Sivananda, Kaivalyananda, Arulananda, etc. (Le Saux)


A simples mas paradoxal verdade transmitida nos ensinamentos do Vedanta é que o Brahman, que é eterno ser (sat), consciência (chit) e beatitude (ANANDA), é absolutamente “sem-segundo” (advaya), o que de maneira literal significa que todos os objetos de experiência, bem como a ignorância criadora que os origina, fundamentalmente não têm substancialidade, como a cobra percebida na corda ou a prata, na madrepérola. A realidade, em um sentido absoluto, é negada em todo o tocado e visto, ouvido, cheirado, saboreado, pensado, reconhecido ou definido na esfera do espaço e do tempo. Esta é uma verdade contrária ao senso comum e à experiência humana empírica e, por consequência, quando se a representa e interpreta em termos de pensamento e linguagem racionais, não pode deixar de parecer cheia de contradições. Não obstante, pode ser captada pelo iogue vedantino. Além disso, entendê-la significa participar da consciência pura, anônima, neutra e isenta de qualificações e, portanto, estar além da personalidade individualizada de toda, por assim dizer, “divindade suprema” manifestada com atributos tais como a onipotência e a onisciência. O Brahman, o Eu, é a consciência absolutamente livre de qualificações. Porém, esta é uma verdade que só pode ser conhecida através da experiência.

O adepto vedantino chega a um ponto, ao longo de seu progresso no caminho do yoga, em que se identifica com este criador pessoal da ilusão cósmica. Sente-se unido ao supremo Senhor, participando de suas virtudes de onisciência e onipotência. Esta, contudo, é uma fase perigosa, pois se quiser chegar a Brahman, a meta, deve conscientizar-se de que esta inflação é apenas uma forma sutil de auto-ilusão. O aspirante tem de vencê-la, ir além dela, de modo que o anonimato do Ser (sat), Consciência (chit) e Beatitude (ANANDA), possa surgir nele como a essência transpessoal do seu Eu verdadeiro. A fascinante personalidade da suprema divindade então se dissolverá e desaparecerá, como a última, mais tênue e tenaz ilusão cósmica. O criador do mundo terá sido transposto e, com ele, toda a ilusão da existência do mundo.

Dissemos que a ignorância (avidya, ajnana) possui dois poderes: 1. o de ocultar e 2. o de projetar ou expandir. Através da primeira operação ela oculta a verdadeira realidade do Brahmanexistência intemporal, consciência pura e beatitude ilimitada (sat-chit-ANANDA) —, ou seja, oculta de nós mesmos nosso próprio Eu, o âmago de nossa natureza, ao passo que, simultaneamente, através do segundo poder, produz um espetáculo de entidades fenomênicas ilusórias, que é tomado por real, uma miragem de nome e forma (nama-rupa), que nos desvia na busca da entidade realmente existente do Eu.

O pensamento básico do Vedanta advaita é que a mônada vital ou alma encarnada (jiva) é, em essência, o Eu (atman), o qual, estando acima das aparições fenomênicas, transitórias e mutáveis de nossa experiência empírica, não é outro senão o Brahman, a única e universal Realidade eterna, que está além de toda e qualquer mudança, que é auto-luminosa e sempre livre, definida como o “Um-sem-segundo” (a-dvitiya), “realmente existente” (sat), “puramente espiritual” (chit) e “absoluta beatitude” (ANANDA). A mônada vital está enganada sobre seu próprio e verdadeiro caráter: considera-se cativa. Mas, este erro se dissipa com o raiar da realização. A mônada vital (jiva) descobre então que ela mesma é o Eu (atman), e a escravidão deixa de existir. Em verdade, no tocante ao que é sempre livre, os termos “escravidão” e “liberação” são impróprios. Parecem ter significado tão só durante os estágios iniciais do aprendizado espiritual, quando o discípulo ainda deve fazer a descoberta crítica. O termo “liberação” é usado pelo guru apenas num sentido preliminar e destinado a alguém que imaginariamente se acredita escravizado.

Um princípio essencial da concepção tântrica é que o homem, em geral, tem de ascender através e por meio da natureza, e não a rejeitando. “Quando caímos no chão — diz o Kularnava Tantra —, temos que nos levantar com a ajuda do mesmo chão. O prazer do amor, o prazer do sentimento humano, são a glória da Deusa em sua dança que produz o mundo, a felicidade de Siva e sua shakti em sua eterna realização da identidade, mas conhecidas apenas do modo inferior da consciência do ego. A criatura passional deve dissipar seu senso de ego; então, o mesmo ato que antes era uma obstrução, torna-se agora a maré que o leva à realização da beatitude absoluta (ANANDA). Além disso, esta maré de paixão pode ser a água batismal que lava e faz desaparecer a mancha da consciência de ego. Seguindo o método tântrico, o herói (vira) flutua além de si mesmo na corrente excitada mas canalizada. Isto é o que desacreditou tal método aos olhos da comunidade. Sua heroica aceitação, sem sofismas, de todo o impacto e implicação da celebração não-dual do mundo como Brahman, parecia muito audaciosa e por demais sensacional para aqueles cuja concepção de santidade inclui o repouso transcendente do Senhor, porém omite o detalhe de seu misterioso jogo (Lila) da criação contínua. (Heinrich Zimmer)