AÇÃO — ATO

VIDE: Ato-Potência; Fé; Modalidades de Ato; Actus Primus; Praxis

Excertos de “Les Notions philosophiques”, PUF, 1990.
No sentido corrente, sinônimo de ação, no sentido de movimento realizado por um ser humano com vistas a um fim. Designa em particular as ações tendo um efeito legal e as peças oficiais que as consignam. Em seu uso filosófico, o termo é tomado da concepção aristotélica do ser e da modificação. Serve para traduzir seja energeia (a modificação em curso de realização), seja entelecheia (a realização da modificação realizada). Ser em ato se opõe, a partir daí, a ser em potência. Resulta que o ato pode designar toda realidade efetiva. Na Metafísica, Aristóteles considera que há uma hierarquia, desde a matéria (hyle) que é somente potência, até o ato puro, quer dizer o ato inteiramente ato, que não comporta qualquer potência. A expressão actus purus foi utilizada por filo:Francis Bacon para designar o movimento mecânico, na medida que se trata de um processo cuja potência de transformação está inteiramente realizada em cada instante do tempo. Porque se opõe à potência, o ato pode ser identificado à forma (eidos: “O ato permanente e durável nada mais é que a forma, substancial ou acidental: a forma substancial — como a alma por exemplo — é claramente permanente, pelo menos, segundo eu, e a acidental só é por um tempo” (filo:Leibniz, Teodiceia).

Pierre Gordon

O Karma, ou Karman, é o poder gerador transcendente dos atos humanos. Ao lado das consequências perceptíveis, cada ação, cada gesto, cada palavra, cada pensamento, tem repercussões invisíveis que se manifestam por vezes a longo termo e estabelecem a compensação. Estes resultados longínquos podem se registrar seja nos infernos, seja nos céus, seja em uma outra existência terrestre. Estamos portanto em presença de um princípio energético, — princípio que unifica entre elas uma sequência intermináveis de vidas, se desenrolando em estados ou lugares diferentes. Cada existência nova é a síntese dos atos dispostos em uma outra; é um simples anel de uma cadeia indefinida.

O ritual da morte e ressurreição adquire assim um sentido muito estendido. Trata-se sempre de escapar à tirania do mundo fenomenal e de romper o abraço da maya (v. Moksha). (Pierre Gordon: Imagem do Mundo na Antiguidade)

Fernando Pessoa

Tudo realmente mas philosophicamente expondo, reduz-se a isto: que toda a vida é um mysterio, todos os actos da vida tem um lado pelo qual são mysterio, outro pelo qual não o são. O primeiro é o que bate na consciência real das cousas; o outro o que está chegado á inconsciencia da vida pratica. Quem sabe, por exemplo, o significado mystico e transcendente da cópula? Não ria; nada ha que rir. Tudo isto é mais serio que quanto de serio ha na vida apparente. (Fernando Pessoa: Rosea Cruz)

William Chittick

The term “acts” has many synonyms that Ibn Arabi is more likely to employ, though each synonym has its own connotations and nuances that can only become clear when it is explained in detail and employed in context. Acts are found in the intermediate domain known as existence, so their state remains forever ambiguous. To what extent they reflect the light of Being is always at issue. The word acts itself implies their existence, since the acts pertain to the Divine Presence, and by definition God is Sheer Being. In a similar way the synonymous term “creatures” (khalq, makhluqat) demands that the acts be the result of the activity of the divine name “Creator” (khaliq), whose business is to bring things out from nonexistence into existence. Here also, the term emphasizes the light of Being reflected in the things of the cosmos. Another common term applied to anything in the cosmos is “form” (sura). As Ibn Arabi says, “There is nothing in the cosmos but forms” (II 682.20). But the term “form” normally calls to mind a second reality which the form manifests. X is the form of y. This second reality is often called the “meaning” (mana) of the form. (William Chittick: Caminho Conhecimento)

Mário Ferreira dos Santos

É um fato primitivo o da inserção do eu no mundo. E a consciência do eu nos levaria a afirmar, à maneira de filo:Descartes, que penso, logo há ato.

Mas não somos nós que damos o ser a esse ato, mas é esse ato que nos dá o ser.

Todo ato se revela numa atividade. O ato é a essência da atividade.

A atividade encontra um acabamento, enquanto o ato é um acabamento inacabado. Enquanto ato, os atos não diferem uns dos outros.

Se a atividade tem um contrário na passividade, o ato não exige o contrário para afirmar-se.

Ato é sempre ele. O existir é uma hibridez de atividade e de passividade. Desta forma, o ato é um simbolizado por todas as espécies de atividades.

Ato é, assim, eficacidade pura, revelado simbolicamente por todo fato que o desvela, o indica, o aponta, mas não o limita nem o acaba. O existir é um símbolo do ato. Ato é a fonte suprema de todas as coisas. O ato é potensão, raiz e fonte da atividade e da passividade.

É da passividade que surge o mal. É a limitação fática, das tensões, que criam as limitações, a crisis momentânea, transeunte.

O ato produz o seu símbolo, a atividade. A idolatria está em considerar esse símbolo como tendo uma existência independente e suficiente, quando é apenas uma filo:modal.

O ato é, portanto, o sustentáculo e a subsistência de tudo. É o criador de tudo que passa, mas o ato permanece. O real é o ser em ato.

O ser é o próprio ato. Está no ato e é pela operação do ato que se produz. O ato interior sustenta os seres.

Ele, enquanto tal, exclui o tempo, pois este está na atividade e na passividade. Não é imóvel, mas é imutável. É móvel e imóvel. É como a chama de que falava Buda, que é sempre ela sendo sempre outra.

O entes prefixados são atos participados do ato que é o ser. O ato é idêntico a si mesmo, mas sempre outro, porque nunca estagna, nunca pára, nunca deixa de ser eficacidade pura, por isso, cria.

É o ato um mistério para a filosofia, e cabe à Teologia nele penetrar.

É fácil escamoteá-lo, mas é um ato ainda a escamoteação. Não podemos negá-lo nem quando o negamos.

O que conhecemos é símbolo do ato. Este não tem determinação enquanto ato, como não a tem o ser. Assim, como não há rupturas no ser, não as há no ato. O ato puro é eficacidade pura, e como eficacidade pura, (como o compreendeu a filosofia escolástica), podemos acrescentar, ainda, que é criador, porque ser eficaz é criar, e é ser ser. O ato puro não tem limites porque limitá-lo seria sofrer a ação de outro, que seria, por sua vez, ato também, e, portanto, com ele, se identificaria.

O ato, portanto, enquanto tal, é puro, eficacidade pura. E por ser tal, cria. O ser, como ato e eficacidade pura, realiza a sua potensão, e esta só se pode dar no ato de criar.

Por isso Deus, em todos os altos pensamentos teológicos, é sempre este ato puro, que não tem passividade, que não é potência, senão ativa por que é tudo quanto pode ser, e como só dele pode ser tudo, é dele tudo, princípio subsistente de todas as coisas. (Ontologia e Cosmologia — Mário Ferreira dos Santos)

Perenialistas – Referências