AÇÃO — ATO PURO
Christophe Andruzac: RENÉ GUÉNON, LA CONTEMPLATION MÉTAPHYSIQUE ET L’EXPÉRIENCE MYSTIQUE
Utilizando os trabalhos de M.D. Philippe, notamos que o nome de Deus não é sem sentido estrito um termo filosófico posto que o filósofo não pode nomear a quididade (não pode designar o «isto») do Primeiro que ele descobre à extremidade de sua busca especulativa. Ele não pode senão chamar Ser Primeiro o Ato Puro que ele descobre ao nível do ser, bem além da Noções Filosóficas. Apreendido como Primeiro, este Ser está além de toda determinação, de toda relação com aqueles que recebem dele seu esse; está além de todo conceito que lhe seja aplicável mesmo analogicamente. É este Ser Primeiro desprovido de toda determinação, verdadeiro Abismo para a inteligência especulativa, que René Guénon chama o Princípio Supremo, que o sânscrito designa por Brama e que a tradição escolástica nomeia o Ipsum esse subsistens. Nossa inteligência ligada a um psiquismo não tem intuição na ordem da compreensão; na ordem do ser, do bem, do verdadeiro, etc., ela não tem experiência senão de diversos modos de ser, de bem, etc. No que concerne o Ser Primeiro, ela é constrangida a designar suas maneiras de ser específicas de uma maneira negativa; não tendo acesso a seu «quid sit», ela dele conhece o «an sit» e os diversos «quomodo non sit». As doutrinas orientais distinguem Brama nisto que ele é inacessível à inteligência (só conhecendo o «an sit») de Ishwara, que é o Ser Primeiro conhecido segundo certas determinações distintivas (infinidade, eternidade, imutabilidade, unidade, etc.).
Hermetismo Cristão
MEDITAÇÕES SOBRE OS 22 ARCANOS MAIORES DO TARÔ
o ato puro é como o fogo ou o vento: aparece e desaparece e, tendo-se esgotado, dá lugar a outro ato.
“O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do espírito” (Jo 3,8).
O ato puro, em si mesmo, é inatingível; somente a reflexão é que o torna perceptível, comparável e compreensível; em outros termos, é graças à reflexão que tomamos consciência dele. A reflexão sobre o ato puro produz a sua representação interior, que será retida pela memória, a memória será a fonte do comunicável por meio da palavra, e a palavra comunicável será fixada por meio da escrita, que produz “o livro”.
O segundo Arcano, “A PAPISA”, é o da reflexão sobre o ato puro do primeiro Arcano, até que ele se torne “Livro”. Ele nos ensina como o Fogo e o Vento se tornam Ciência e Livro. Em outros termos, como “a Sabedoria constrói a sua casa”.
Como acabamos de mostrar, só tomamos consciência do ato puro da inteligência por meio da reflexão sobre ele. Temos necessidade de “espelho” interior a fim de sermos conscientes do ato puro ou a fim de sabermos ” de onde ele vem e para onde vai”. O sopro do Espírito — ou ato puro da inteligência — é, certamente, acontecimento, mas, em si mesmo, ele não é suficiente para que tomemos consciência dele. A “con-sciência” é o resultado de dois princípios — do princípio ativo agindo e do princípio passivo refletindo. Para “sabermos” de onde o Sopro vem e para onde vai, é necessária a Água que o reflete. Por isso a conversa do Mestre com Nicodemos, à qual já nos referimos, enuncia a condição absoluta da experiência consciente do Sopro Divino — ou do Reino de Deus:
“Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus” (Jo 3,5))).
“Em verdade, em verdade” — o Mestre repete o termo “verdade” numa fórmula em mantra (isto é, mágica) da realidade da consciência. Com esses termos ele diz que a plena consciência da verdade resulta da verdade insuflada e da verdade refletida. A consciência reintegrada, que é o Reino de Deus, pressupõe duas renovações, de alcance comparável ao nascimento, nos dois elementos constitutivos da consciência — o Espírito ativo e a Água refletora. O Espírito deve tornar-se Sopro divino no lugar da atividade pessoal arbitrária, e a Água deve tornar-se espelho perfeito do Sopro divino, em vez de ser agitada pela perturbação da imaginação, das paixões e dos desejos pessoais. A consciência reintegrada deve nascer da Água e do Espírito, depois que a Água voltar a ser Virgem e que o Espírito voltar a ser o Sopro divino ou o Espírito Santo. A consciência reintegrada nascerá, portanto, no interior da alma humana de maneira análoga ao nascimento ou à encarnação histórica do Verbo:
Et incarnatus est de Spiritu Sancto ex Maria Virgine (“Encarnou-se, por obra do Espírito Santo, de Maria Virgem”. (N. do T.
O re-nascimento da Água e do Espírito, que o Mestre ensinou a Nicodemos, é o restabelecimento do estado de consciência não decaída, no qual o Espírito foi o Sopro divino e no qual esse Sopro foi refletido pela Natureza Virginal. Eis a “Ioga” cristã. Sua meta não é a libertação radical (“Mukti”), isto é, o estado de consciência sem sopro e sem reflexão, mas o da reação completa e perfeita à ação divina — o batismo da Água e do Espírito. Essas duas espécies de batismo operam a reintegração dos dois elementos constitutivos da consciência como tal — o elemento ativo e o elemento passivo. Não existe consciência sem esses dois elementos, e a supressão dessa dualidade mediante um método prático qualquer inspirado no ideal da unidade (“Advaita” — não-dualidade) deve necessariamente levar à extinção não do ser, mas da consciência. Verificar-se-ia então não “novo nascimento” da consciência, e sim seu retorno ao estado pré-natal embrionário, cósmico.
Em compensação, eis o que diz Plotino sobre a dualidade subjacente a toda forma e a todo grau de consciência, isto é, sobre o princípio ativo e seu espelho:
Mas se o espelho está ausente ou não é como deve, a imagem não se produz, embora a ação exista: assim, quando a alma está calma, ela reflete as imagens do pensamento e do intelecto; mas quando ela é agitada pela perturbação produzida na harmonia do corpo, o pensamento e o intelecto pensam sem imagem, e o ato da inteligência se realiza sem se refletir” (Plotino, I, livro IV, cap. X).
É a concepção platônica da consciência; sendo aprofundada, ela pode servir de introdução à conversa noturna do Mestre com Nicodemos cobre a reintegração da consciência ou cobre a meta da “ioga” cristã.