Outro pássaro disse à Poupa:
“Sou meu próprio inimigo; há um ladrão em mim. Como posso fazer essa viagem estorvado por apetites corporais e por um cão do desejo que não quer submeter-se? Como posso salvar minha alma? Conheço o lobo furtivo que anda a esmo, mas não conheço este cachorro, e ele é tão atraente! Não sei onde estou com este corpo infiel. Chegarei, um dia, a compreendê-lo?”
A Poupa replicou:
“Tu mesmo és um cão perdido e espezinhado. Tua ‘alma’, caolha e vesga, é vil, preguiçosa e infiel. Se um homem se sente atraído para ti, é porque, na verdade, está ofuscado pelo falso brilho da tua ‘alma’. Não é bom para esse cão do desejo ser amimalhado e untado de óleos. Em criança, o homem é fraco e descuidado; jovem, empenha-se em lutar; e quando nele se instala a velhice, o desejo se acaba e o corpo fraqueja. Sendo assim a existência, como adquirirá o cão o ornamento das qualidades espirituais? Vivemos descuidosos do princípio ao fim e nada obtemos. Muitas vezes o homem chega ao termo vazio, sem ter nada em si além do desejo das coisas do mundo exterior. Milhares perecem de dor, mas o cão do desejo nunca morre. Ouve a história do coveiro que envelheceu no seu mister. Alguém lhe perguntou: ‘Queres responder a uma pergunta minha, visto que passaste a vida inteira cavando sepulturas? Dize-ME: já viste algum prodígio?’ Ao que o coveiro respondeu: ‘Meu cão do desejo assistiu a sepultamentos durante setenta anos, mas ele mesmo nunca morreu e nunca obedeceu, nem por um momento, às leis de Deus. Isso não é um prodígio?’ “