Attar (CP) – Conferência dos Pássaros Abertura

Conferência dos Pássaros — ABERTURA
Abre-se a Conferência

Todos os pássaros do mundo, conhecidos e desconhecidos, estavam reunidos. Disseram eles:

— Nenhum país do mundo carece de um rei. Como se dá, então, que o reino dos pássaros não tenha um dirigente? Esse estado de coisas não pode perdurar. Precisamos congregar nossos esforços e sair à procura de um soberano; pois nenhum país terá uma boa administração e uma boa organização se não tiver um rei.

Principiaram, pois, a pensar em como planejar a busca. Emocionada e cheia de esperança, a Poupa adiantou-se e foi postar-se no meio dos pássaros reunidos em assembleia. Trazia no peito o ornamento que lhe simbolizava o ingresso no caminho do conhecimento espiritual; a crista na cabeça era como a coroa da verdade, e ela possuía o conhecimento do bem e do mal.

— Queridos pássaros — principiou —, sou a que está empenhada na guerra divina, a mensageira do mundo invisível. Tenho o conhecimento de Deus e dos segredos da criação. Quando alguém carrega no bico, como eu, o nome de Deus, Bismillah, há de ter, por força, conhecimento de muitas coisas ocultas. Meus dias, contudo, passo-os na intranquilidade, e não ME ocupo de pessoa alguma, pois estou inteiramente ocupada com o amor ao rei. Durante anos jornadeei por mar e por terra, sobrevoei montanhas e vales. Cobri imensa extensão no tempo do dilúvio; acompanhei Salomão em suas viagens e medi os limites do mundo.

“Conheço bem o meu rei mas, sozinha, não posso partir ao seu encontro. Abandonai vossa timidez, vossa presunção e vossa descrença, pois quem converte em luz a própria vida liberta-se de si mesmo; liberta-se do bem e do mal no caminho do amado. Sede generosos com a vida. Ponde os pés na terra e parti, alegres, para a corte do rei. Temos um rei de verdade, que vive atrás das montanhas chamadas Kaf. Chama-se Simurgh e é o rei dos pássaros. Está perto de nós, mas nós estamos longe dele. O sítio que habita é inacessível, e nenhuma língua consegue pronunciar-lhe o nome. Diante dele pendem cem mil véus de luz e treva, e nos dois mundos ninguém tem o poder de disputar-lhe o reino. Senhor soberano, banha-se na perfeição da sua majestade. Não se manifesta abertamente nem mesmo no local da sua habitação, e a esta nenhum conhecimento e nenhuma inteligência logram chegar. O caminho é desconhecido, e ninguém possui constância para procurá-lo, embora milhares de criaturas passem a vida anelando por isso. Nem mesmo a alma mais pura é capaz de descrevê-lo, nem pode a razão compreendê-lo: esses dois olhos estão cegos. Não é dado ao sábio descobrir-lhe a perfeição nem ao homem de entendimento perceber-lhe a beleza. Todas as criaturas têm desejado chegar a essa perfeição e a essa beleza pela imaginação. Mas como palmilhar o caminho com o pensamento? Como medir a lua pelo peixe? Destarte, milhares de cabeças movem-se para lá e para cá, como a bola no jogo de polo, e só se ouvem lamentações e suspiros de desejo. Muitas terras e mares estão no caminho. Não imagineis que o percurso seja curto; e cumpre ter um coração de leão para percorrer essa estrada insólita, pois ela é muito longa e o mar é fundo. Anda-se laboriosamente num estado de assombro, algumas vezes sorrindo, outras chorando. Quanto a mim, sentir-ME-ei feliz se descobrir, pelo menos, um vestígio dele… O homem não precisa proteger sua alma do amado, mas precisa estar preparado para levá-la à corte do rei.

“Espantoso! A primeira manifestação do Simurgh verificou-se na China, no meio da noite. Uma de suas penas caiu na China e sua fama encheu o mundo. Todos desenharam a pena e dela formaram seu próprio sistema de ideias, do que resultou caírem em confusão. A pena ainda está na galeria de quadros daquele país; daí o dito: ‘Busca o conhecimento, até na China!’

“Não fora essa manifestação e não se teria feito tanto barulho no mundo em torno do misterioso Ser. Esse sinal de existência é um testemunho de glória. Todas as almas levam uma impressão da imagem da pena. Visto que a sua descrição não tem pés nem cabeça, nem princípio nem fim, já não é necessário falar sobre ela. Agora, se alguém estiver disposto a enfrentar a estrada, prepare-se e ponha os pés no Caminho.”

Assim que a Poupa terminou, os pássaros puseram-se a discutir, emocionados, a glória desse rei e, ansiando por tê-lo como seu próprio soberano, mostraram-se todos impacientes por partir. Resolveram ir juntos; cada qual se tornou amigo do outro e inimigo de si mesmo. Mas quando começaram a compreender quão longa e penosa seria a viagem, hesitaram e, apesar da aparente boa vontade, entraram a escusar-se, cada qual de acordo com o seu tipo.

Conferência dos Pássaros