Attar — O Livro dos Segredos (Asrar Nama)
Excertos da tradução de Christiane Tortel do Le Livre des Secrets, publicado pela Les Deux Océans, em 1985.
Segundo sua apresentação é a única obra que Shams od Din de Tabriz (o mestre de Jalaluddin Rumi) guardou depois de jogar fora no rio todos manuscritos que possuía seu discípulo, querendo simbolizar por este gesto que o desvelamento não se adquire pela erudição… Melhor que qualquer outra obra de Attar, o Asrar Nama desempenha o papel de vade-mécum para uso dos discípulos que participam no cenáculo do Mestre e daqueles buscando a via da Unidade.
Segundo a tradição relatada por Dowlat Shah, ‘Attar teria dado ao pai de Jalaluddin Rumi um exemplar do Asrar Nama, a última de suas obras. No Khosrow Nama, Attar afirma que terminou o Mosibat Nama e o Elahi Nama aos sessenta anos de idade. Neste Livro, Asrar Nama, se queixa de sua lamentável decrepitude e dá uma indicação de sua idade, setenta anos, o que parece indicar que o livro foi terminado pelos anos 1210.
Dada a abundância de repetições e encavalamento dos temas, é difícil tentar um resumo sistemático do livro. Por outro lado é possível decompô-lo em sua estrutura arquitetônica: dois volumes que se embrincam por uma orquestração em crescendo do tema da morte. A primeira parte, cobrindo até o capítulo XIII, descreve o lado “ensolarado” do caminho, ou seja as condições de realização assim como os efeitos do “fana”, dissolução do eu no Divino. Estas condições e efeitos são o Amor, a viagem iniciática, decomposta em dois movimentos: excursão para o Princípio e incursão em si, e desmistificação que levam à descoberta da descoberta da Verdade como causa única. A segunda parte, por vezes um pouco morna, descreve o aspecto sombrio e rude deste caminho. A iluminação, que aportou a liberação do mundo das formas, deve a princípio alcançar à transformação da inteligência e da vontade pelo conhecimento e a ação. É assim que se eleva a estação da maturidade, do “baqa”, quer dizer da Perduração. Esta transformação do coração se opera graças a uma purificação progressiva realizável unicamente por meio de uma mortificação permanente: tark-e xwab — abandono do sono; esraf nakardan dar xordan-e ta’am-o sarab — moderação na nutrição; xalvat, birun amadan az amizes-e xalq — retiro afastado da sociedade; xamuzy — o silêncio fora do zikr, a menção de Deus; xamuzy-ye zaban-e zaher illa az zekr-e Haqq — o respeito às orações canônicas e à prática das orações suplicantes, a obliteração de toda vontade própria e a entrega incondicional à Providência (nafy-ye xawater, tawakkol) e o estudo aprofundado da Revelação e da Tradição Maometana. Esta disciplina tem por finalidade afastar do espelho do coração (aine-ye del) as máculas depositadas pela alma cínica (sag-enafs) e de permitir ao discípulo adquirir e praticar estas virtudes cardeais que são a paciência (sabr), o silêncio (xamusy), a pobreza (faqr) e o contentamento sereno (qina’at). Através da enumeração destas diferentes regras, não é difícil reconhecer o “método de Junayd” que nos transmitiram aqui segundo as expressões de Najm-od din Kubra.
O Sufismo que preconiza Attar é portanto um Sufismo do “meio” que enfatiza mais a ética que os Estados; nuri, co-discípulo de Junayd, não afirmava “at-tasawwuf akhlaqun”?
Através da união da contemplação (theoria) e da ação (praxis) se realiza o ideal mais elevado do homem, aquele do heroísmo espiritual (vide combate espiritual — agon): javanmardi. Fazendo o sacrifício de sua vida e de sua honra, o herói honra o juramento que fez com seu Senhor. Pela aliança “mithaq” que contraiu com seu Senhor na Pré-eternidade, o homem é o feudatário de Deus. A noção corânica de mithaq foi magistralmente comentada por Junayd; Attar a expande por assim dizer, na medida que dá ao Depósito “amanat”, quer dizer ao Vicariado, uma função simétrica: a aceitar, é renovar o pacto, desta feita não mais segundo o modo espontâneo mas experimental, vivido através da prova transformadora da Redução à Unidade.