Certamente essa religião, que é a mãe de toda ciência boa e verdadeira que existe no mundo, e cujo maior interesse é o avanço dessa mesma ciência, tem o cuidado de não proibi-la ou impedir seu progresso. Joseph de Maistre, Les Soirées de Saint-Pétersbourg, I, 305
O presente texto, que constitui a sexta seção de minha Fermenta Cognitionis, da qual completa o primeiro pequeno volume, apareceu ao mesmo tempo sob o título Spécimens de principes de philosophie religieuse d’autrefois e, portanto, oferece uma contrapartida a meus Remarques sur quelques philosophèmes antireligieux de notre époque. De fato, basta considerar os princípios da filosofia alemã antiga aqui estabelecidos para se convencer de quão superficial a filosofia especulativa deve ter se tornado para não fazer uso de tal trabalho preparatório de um pensador e rejeitá-lo por completo com uma ignorância que quer postular distinção, ou então, se por acaso alguém se inspirou nele aqui e ali, ocultar a fonte como se devesse se envergonhar dela. É de se lamentar, além disso, que até mesmo os pensadores de gênio tenham sido desencorajados, seja por causa da casca áspera e dura que envolve a medula dos escritos de J. Boehme, seja por causa da falta de conhecimento sobre o assunto. Seria, portanto, desejável que os desenvolvimentos puramente científicos dessas obras fossem despojados de declamações supérfluas e até mesmo de algumas invectivas, e reunidos em uma nova edição que há muito deveria ter sido feita.
Não é preciso dizer que uma obra como essa, que insiste na religiosidade da ciência e na natureza científica da religiosidade, e que age nessa direção, não pode ser recomendada às massas, que estão divididas, como sabemos, em dois grupos: o rebanho de ovelhas devotas (uma palavra que não considero de forma alguma imprópria aqui) e o rebanho de bodes infiéis, em cujas cabeças está a antiga serpente em forma de torniquete. O mestre certamente esmagou a cabeça da serpente, mas não o número infinito de seus anéis, cuja destruição deve ser nosso trabalho. De fato, se a primeira dessas duas partes não sente a necessidade de uma ciência do ponto de vista da religião, uma vez que muitas pessoas são admiravelmente complacentes em sua ignorância e, portanto, não permitem que nenhuma ciência se aproxime delas, ou seja, penetre nelas; a segunda parte, por outro lado, está bem ciente dessa necessidade e, consequentemente, se esforça para resistir a qualquer luz que a invada, estabelecendo filosofias e “raciocínios” que espalham a escuridão; pois é precisamente porque o espírito da irreligião não tem “razão” que é obrigado a criar uma para si mesmo e renová-la incessantemente, porque nenhuma delas dura; e essa razão que alguém cria para si mesmo é a única ruim, o que também é verdade para a lei que alguém cria para si mesmo: você nunca a completa depois de ter começado a alcançá-la.
Eu já refutei a objeção comum que os devotos, que têm medo da ciência e que, de outra forma, são dignos de respeito, costumam levantar contra qualquer pesquisa (contra qualquer reflexão) sobre assuntos religiosos, e que é buscada no caráter suprarracional e, consequentemente, impenetrável das doutrinas religiosas, no prefácio das Observações sobre alguns princípios antirreligiosos de nosso tempo, e acrescento isto ao que foi dito naquele tratado. É de fato : 1°) é uma falsa representação que geralmente fazemos de Deus representá-lo como um simples objeto de nossa razão, como um simples poder subjetivo de percepção, uma vez que Deus, como espírito absoluto, como Hegel foi o primeiro nos tempos modernos a demonstrar, é tanto objeto quanto sujeito ou sua síntese, e consequentemente se revela naquilo que é percebido por nós, bem como em nosso ato de percepção; da mesma forma, é um princípio de nossa religião postular a identidade do Deus que (como Pai) nos dá a lei e que (como Filho) realiza essa lei em nós; da mesma forma, de acordo com as Escrituras, é apenas o espírito de Deus que, também em nosso espírito, explora as profundezas de Deus. 2°) Esse caráter impenetrável e a admiração que se baseia nele são, como já observei em outro lugar, apenas o resultado de uma busca livre. 3°) E, finalmente, como diz São Paulo, o que vai além de nossa razão não a contradiz, assim como o fundamento de cada atividade é superior ao que é fundado, mas não o contradiz; e os defensores das doutrinas religiosas, consequentemente, sempre tiveram apenas uma opinião a refutar: que as doutrinas religiosas são contrárias à razão. — Essa incredulidade (com relação ao caráter demonstrável da religião, etc.) também forma a base do sistema fideísta do falecido Jacobi, um sistema que é bem conhecido e, por causa do “sofisma preguiçoso” que contém, ainda hoje apreciado por pessoas ilustres e outras que não o são, e que já estava contido, como já observei em outro lugar, na famosa fórmula de Rousseau “que o homem, ao começar a pensar, deixa de sentir”. — Essa é uma fórmula que, na aplicação feita por aqueles que têm medo da ciência, contém, a rigor, uma advertência dirigida ao amante para que evite qualquer conhecimento profundo de sua amada, de modo a não perder a ilusão de seu amor! Ao passo que, ao contrário, o amor (o coração amoroso que mantém o meio-termo entre o pensamento e a ação) se revela tanto no pensamento dirigido à pessoa amada quanto na atividade dirigida a essa pessoa; e isso também é verdade para o ódio, que tende a se manifestar da mesma forma na negação e destruição (aniquilação) da pessoa odiada. — Mas muitos defensores da religião em nosso tempo não sabem o quanto, por meio de tal covardia com relação à especulação (que tanto Kant quanto Jacobi lhes ensinaram), eles estão fazendo o jogo de seus oponentes; eles não sabem que, ao fazer isso, estão sancionando tanto a preguiça na aquisição de conhecimento de assuntos religiosos quanto a natureza superficial desse conhecimento.
Munique, 1º de dezembro de 1824