Baret (EBA) – expectativas

Antonio Carneiro

– Que sejamos nós mesmos sem expectativa sim, mas as solicitações vindo do exterior?

É preciso amá-las. É normal que vosso cão espere sua refeição, que vosso amante, vosso marido, vosso filho, vosso pai, vosso patrão, vosso empregado esperem alguma coisa. Mas vos dai conta que não estais aí para responder às expectativas dos outros. Estais aí, eventualmente, para estimular a não expectativa no vosso meio social. Às vezes vosso ambiente será satisfeito, às vezes será decepcionado: é preciso respeitar isso, há necessidade dos dois. Vosso filho tem necessidade que o encheis de satisfação e que o decepcioneis; sua maturidade depende dos dois, do sim e do não. Vosso amigo tem necessidade da mesma coisa, vosso dromedário também.

Nenhuma culpabilidade a guardar. Não estais aí para responder as expectativas de vosso vizinho. Tem sempre um vizinho que vos achará grande demais, um outro que vos achará pequeno demais. Respeitai cada um. Para alguns aparecereis simpático, para outros antipático: todos têm razão; segundo seus estados afetivos, eles vos veem de uma maneira ou de uma outra.

A um dado momento, não vos alimentareis mais da projeção de vosso vizinho. O respeitareis no seu ódio como no seu amor. É uma projeção, ele não fala senão a ele mesmo. Não sois a quem diz respeito. Compreendeis intimamente por que, quando ele vos vê, ele experimenta um tal ódio e tem vontade de vos estrangular, ou um tal amor e tem vontade de vos saltar em cima. Ele não pode fazer de outro modo. É como os cães que querem vos morder ou vos lamber. Não estais aí para ensinar ao cão que quer vos morder que ele não tem que fazê-lo, nem à explicar àquele que vos lambe que projete uma segurança sobre vós e que ele faria melhor de a encontrar em si mesmo. Respeitais o cão que vê esta segurança em vós e vos lambe como aquele que quer vos degolar. Tratai em função da situação. Por respeito.

Se não tendes problema em relação a vós mesmo, não tereis nenhum em relação à sociedade. A sociedade é clara, perfeita… salvo quando se vive na expectativa, na intenção. Aí, tem conflito.

Por mais que se queira que o ambiente seja diferente, a insatisfação permanece. Que meu marido se torne exatamente o que desejo dele, no dia seguinte outra coisa faltará mesmo assim… O que peço à meu marido, à meu camelo é eu mesmo. Isso, nenhum camelo ME pode dar. No instante quando não espero mais nada do que quer que seja, aí incluído eu mesmo, realizo que escutar é minha segurança, minha fruição, minha satisfação. Não preciso mais que se ME escute, que se ME ame ou ME deteste; compreendo, respeito a maneira como o mundo ME vê — tem suas razões.

O ambiente não cria qualquer choque psicológico. Se suscita em mim a menor dificuldade, é que carrego uma forma de julgamento: volto à mim mesmo. No lugar de viver a realidade, penso que o ambiente deveria ser diferente. O ambiente é o que é. Não estar de acordo com a realidade é ter um problema: não com ela, consigo.

Olhar claramente em si. Perceber que seu marido, seu patrão, seu cão não podem fazer outra coisa senão sentir o que eles sentem, agir como eles agem. Nesse respeito, esse amor da realidade, reintegro a disponibilidade.

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