Bernard Dubant teve o trabalho de sintetizar a obra de Castañeda, apreciando-a sob a ótica tradicionalista. De seus três livros publicados, apresentamos já alguns excertos, e nesta página nos voltamos para o último livro, “O Retorno do Espírito”, em sua versão em espanhol realizada por Milagro Revest Mira (DCRE)
O primeiro livro de Castañeda, A Erva do Diabo, foi fogo em palha, até mesmo um terremoto no mundo literário. Um grande público foi literalmente “hipnotizado” por esse relato de “experiências” singulares. O autor encontrou com um velho índio, don Juan, um feiticeiro, e, graças a ele, conheceu um mundo perceptivo muito diferente do mundo cotidiano, depois de ter consumido “plantas de poder”, “onirogênicas” ou “alucinógenas”, e uma “alteração” sem precedentes da “personalidade”, ao se “transformar” em um corvo. Ele incluiu nesse livro uma “análise estrutural” dos ensinamentos que havia recebido.
Mas logo abandonou esse tipo de “análise”. É claro que, em sua segunda obra, Uma Estranha Realidade, Castañeda ainda finge usar o “método fenomenológico”, porque não entende o que lhe foi ensinado. A “bruxaria” foi, portanto, tratada como um “assunto apresentado a ele”. Mas ficou claro que o autor estava “pessoalmente” engajado em um “caminho”, que havia uma tentativa de descrever, mas não de explicar. De acordo com esse livro, “Ver” expressa a prática fundamental desses “feiticeiros”, “homens de conhecimento”, que consiste em perceber o mundo não como uma “coleção de coisas”, mas como uma infinidade de “campos de energia”, — uma prática que, portanto, consiste em cruzar as barreiras da percepção comum, a fim de testemunhar um universo infinitamente mais vasto e atraente.
Esse livro foi seguido por Viagem a Ixtlan, no qual os ensinamentos de D. Juan são mais sistematizados. O outro “feiticeiro” que ajuda Don Juan, Don Genaro, conta uma aventura que aconteceu com ele no caminho para o “conhecimento”. Ele estava indo para Ixtlan, mas nunca encontrará Ixtlan, seu antigo mundo, porque atravessou um “limiar” onde seus antigos sentimentos, sua antiga visão, sua “personalidade” morreram para sempre. Esse livro, com sua poesia profunda e comovente, é também um “tratado de comportamento”, um “manual” da vida do “guerreiro”, uma lição suprema sobre a arte de viver. Como nas obras anteriores, mas com maior maestria, o tom “jornalístico” não ofusca o valor poético; fala-se em literatura, mas na verdade é muito pouco “literário”.
O clímax dessa “série” foi o quarto livro, Relatos de Poder. Por que esse título? O autor, enquanto continua seu “aprendizado” com seu “benfeitor”, avançando ao longo desse surpreendente caminho “tradicional”, no verdadeiro sentido do termo, continua, no entanto, a ser, em suas próprias palavras, “plugado”, e Don Juan lhe diz que para ele — e a fortiori para o leitor — tudo isso não passa de histórias de poder. E, no entanto! Nesse livro, ele fala do ato supremo, da perfeição, da conclusão, desse longo aprendizado com Don Juan: o salto no abismo, que, longe de ser o fim, como se poderia pensar, nada mais é do que o início de sua prática independente. Don Juan e Don Genaro “desaparecem” e um ciclo chega ao fim.
O livro seguinte, O Segundo Anel de Poder, inaugura o “segundo ciclo” das obras de Castañeda. Com uma “arte” consumada, Castañeda explica a continuação das experiências no caminho que agora segue sem um mestre, pelo menos sem um mestre vivo neste mundo. Seu “salto para o desconhecido” o “assombra” como um koan, e essa “memória” e esse “questionamento” permitem que consolide seu conhecimento sobre a natureza da percepção. O “segundo anel de poder” significa essa “segunda atenção”, uma “faculdade” que “desperta” um mundo diferente daquele que normalmente percebemos. Aquele que se conecta com esse anel “desconecta” seu “primeiro anel de poder”, que “fabrica” o mundo da razão e compreende a natureza da percepção, ou seja, do homem e dos “mundos”. A partir de agora, sabe que o que considerava um mundo definitivo e sólido é apenas uma ilha em um vasto arquipélago, que depende de nossa atenção que se apega a ele. Aqui, Castañeda não está lidando com um “mestre”, mas com “companheiros discípulos” que passam por testes “catárticos”; mas a sombra de Don Juan paira sobre os atos e gestos dos protagonistas.
Os três últimos livros, O Presente da Águia, O Fogo Interior e O Poder do Silêncio, não são compostos de “memórias” no sentido vulgar do termo, mas de “reminiscências”, que são o fruto do estudo do caminho ao qual seu mestre o conduziu. Relata os ensinamentos e as experiências que teve “em um estado de consciência elevada”, cuja reminiscência só pode ter ao deslocar seu “ponto de apego”, ou seja, o início de sua percepção, para o local onde estava quando essas experiências ocorreram. Portanto, é o corpo, a energia, que armazenou essa “memória”. Literalmente “reviveu” essas experiências perdidas no esquecimento por algum tempo.
Esses três livros podem ser chamados de “do lado esquerdo”. O método “fenomenológico” está, então, muito distante, pois compreende, explica e recapitula, de tal forma que o leitor “disponível” não pode deixar de ficar “maravilhado”, no sentido profundo do termo.
Gostaria de falar acima de tudo sobre esses três livros e o que implicam — sobre esses três livros nos quais premissas surpreendentes levam a “conclusões” de força extraordinária. “Meus livros são o relato de um processo contínuo que se tornou mais claro aos meus olhos com o passar do tempo.”
Castañeda escreve: “Don Juan ME disse para escrever sobre os princípios da bruxaria”. “Você não é um escritor”, Don Juan lhe disse, “então terá de usar a bruxaria. Terá de representar suas experiências como se as estivesse revivendo, pois terá de ver o texto em seus sonhos. “Escrever para si mesmo não deve ser um exercício literário, mas um exercício de bruxaria”.
“Basta fechar os olhos”, diz Céline em sua Viagem ao Fim da Noite, que também é uma “autobiografia”. A força da obra do maior escritor francês também reside no fato de que foi “revivida” e causou um “terremoto” literário quando foi publicada.
O poder de fascinação, o “sakti”, diriam os seguidores do tantra, que emana dos livros de Castañeda deve-se, sem dúvida, ao fato de serem obras “vistas” por uma “vidente”, que também foi, em outro contexto, Céline.
E pode-se dizer das obras do escritor peruano o que o escritor francês disse de suas próprias obras: “Está do outro lado da vida”.
“Faça uma jornada de reconquista — Lembre-se do que fez”.