O desejo é o Abgrund, o abismo ilimitado, o poder do não-ser que está no centro do ser. É chamado de morte e angústia eternas, mas também é a fonte da vida. O desejo é a origem do que os gregos chamavam de me on. Boehme concebe o me on como um fator positivo. Para ele, não é o conceito limite para as categorias da estrutura ontológica. Esse conceito limite representa uma deficiência de forma em um ser que é inversamente proporcional à proximidade ontológica desse ser com o Um ou Deus. Para Boehme, entretanto, o eu é um conjunto de poderes fundamentais que são tão reais quanto os poderes construtivos do ser. Ele sustenta que o poder do não-ser não está na maior distância ontológica da plenitude do ser (Deus), mas se origina bem no centro do ser. O não-ser é uma das condições prévias para o próprio ser de Deus e torna possível a sua vida.
O desejo passa por uma evolução interna que é paralela à da vontade, pois também recebe uma forma triádica. Boehme descreve o desejo como o fogo insaciável em busca de algo para consumir. É um voltar-se para si mesmo, mas sem encontrar satisfação. É também uma fuga para fora de si mesmo, novamente em vão. Além disso, é a alternância cíclica dessa volta para dentro e dessa fuga para fora. Mas essa evolução potencial do desejo só se torna real quando o desejo de fato confronta a vontade. Os pólos da vontade e do desejo interpenetram-se mutuamente, e a vontade, que é liberdade, não suporta ficar aprisionada nas garras sufocantes do desejo. Portanto, a vontade se liberta do desejo, estabelecendo-se como um centro de luz contra o desejo, que, por sua vez, é deixado como um centro de escuridão. Por sua interação, esses dois polos se tornam centros determinados e desenvolvem, pela primeira vez, distinções internas genuínas. A essência ou o ser de Deus é formado a partir da relação existente entre esses centros determinados de escuridão e luz.