(…) uma qualidade para Boehme não é simplesmente uma propriedade ou característica de uma coisa. Em vez disso, dá uma definição original, chamando uma qualidade de “a mobilidade, o impulso ou a urgência de uma coisa” (Aurora, JBAN 1.3). A palavra qualidade é um caso exemplar do uso que Boehme faz do que ele chama de linguagem da natureza, Natursprache. Na linguagem da natureza, cada palavra expressa perfeitamente seu significado, assim como foi o caso do uso da linguagem por Adão no Jardim do Éden, quando nomeou os animais de acordo com suas essências reais (Gn 2:19-20) (figura abaixo). Boehme afirma ter acesso à linguagem da natureza por meio de sua língua materna, o alemão: as assonâncias entre as palavras — ele acredita — nos guiam para entender as relações profundas entre os conceitos. Diferentemente de qualquer uma das línguas humanas faladas depois de Babel, a linguagem da natureza permite que Boehme compreenda a concepção original e verdadeira que está por trás de uma palavra. O verdadeiro significado de qualidade, para Boehme, é sinalizado pelo som da palavra, porque uma Qualität (também conhecida como Quallität) executa as ações de quellen/quallen (saltar) e, mais importante, a origem de sua mobilidade é um atrito interno, indicado pela presença da palavra Qual (tormento) dentro de Qual-ität.
(caption id=”attachment_31738″ align=”aligncenter” width=”249″) Adão no Paraíso nomeando os animais (Dionysius Andreas Freher and Jeremias Daniel Leuchter)(/caption)
O número exato e os nomes dessas qualidades mudam ao longo da obra de Boehme: ele fala de qualidades, vontades (Willen), características (Eigenschaften), espécies e espíritos (Geister). Em Aurora, Boehme descreve um ciclo de qualidades, cada uma gerando e se opondo à próxima na cadeia do movimento constante da vida, do amargo (“bittere Qualität”), ao doce (“die süße Qualität”), ao azedo (“die sauere Qualität”), ao rigoroso e salgado (“die herbe oder gesalzene Qualität”). Ele também inclui nesse ciclo algumas das substâncias tradicionalmente identificadas como “elementos”, explicando, por exemplo, como o ar e a água são gerados graças à interação do calor e do frio (figura abaixo). Boehme sugere que a presença dos elementos em todos os corpos naturais pode ser mais bem compreendida quando se observa uma vela acesa: “Na vela, tudo está misturado, e nenhuma característica é revelada separadamente das outras, até que ela seja acesa: então se vê fogo, óleo, luz, ar e água do ar. Todos os quatro elementos, que antes estavam ocultos em uma única base unida, são revelados nela” (Clavis 62).
(caption id=”attachment_31739″ align=”alignnone” width=”223″) The Alchemical Stages, in: Stephan Michelspacher, Cabala, Spiegel der Kunst und Natur in Alchymia (Cabala, Mirror of Art and Nature in Alchemy), Augsburg 1615, Embassy of the Free Mind, Collection Bibliotheca Philosophica Hermetica(/caption)