(Abellio, Serant1955)
“TUDO o que é glorioso será coberto por um véu” (Isaías 4:5). “Não há nada oculto que não venha a ser revelado, nem secreto que não venha a ser conhecido” (Lucas 12:2). Nestas duas palavras está inscrito o destino de todo conhecimento: é o destino da sombra chamar a luz. O Livro dos Provérbios confirma: “Esconder as coisas é a glória de Deus, mas descobri-las é a glória dos reis.” Os reis são os homens. Em sua conquista da luz, os homens proclamam a morte de Deus. No entanto, tornar-se deuses é também a ambição dos reis, e sua vitória sobre as trevas – como toda a história humana ensina – não passa da projeção de uma nova sombra. Como se Deus quisesse assim marcar sua eternidade inatingível: aos séculos de luz sucedem séculos de trevas. Esta alternância marca o movimento das civilizações. Um excesso de luz – ou pelo menos o que os homens chamam assim – destrói a própria luz.
Ainda assim, ninguém aceitaria reduzir a história a uma mera repetição: a alternância é também intensificação. Se o tempo fosse para eles apenas um vão recomeço, não se explicaria por qual feitiço ou ilusão os homens ainda amam a luz, e menos ainda a espessura desta noite que, em certos momentos, se derrama sobre o mundo ou dentro deles mesmos: é necessário que esta sucessão faça nascer e alimente presenças novas. “Trevas, minha luz!”, faz dizer Gide a Édipo. “Obrigado, minha libertadora, ó Noite”, escreve o jovem Hegel em seu poema a Hölderlin. E Rimbaud tenta discernir os lineamentos noturnos de uma nova vida:
“É nestas noites sem fundo que dormes e te exilas,
Ó futuro Vigor, milhões de pássaros de ouro?”
Para o homem que caminha em direção ao seu destino, a luz nunca é a mesma luz, nem a sombra a mesma sombra. Ao enriquecimento crescente de uma corresponde o enriquecimento crescente da outra. Em primeira aproximação, chamaremos esotéricos todo estudo e toda experimentação que procedam do “ponto de vista” de Deus – e não mais dos homens – sobre esta sombra, e que se proponham a explorar seu domínio sabendo que a sombra é eterna, pesquisando como a luz é ao mesmo tempo recebida e recusada por ela, e transmutada em nova sombra. O esoterismo ocupa-se da transfiguração da sombra.