(Abellio, Serant1955)
Costuma-se indicar que a gnose possui seu instrumento próprio, que é o raciocínio por analogia: a interdependência universal resultaria assim de aproximações qualitativas (enquanto as da ciência são quantitativas), e a percepção das analogias, ao estabelecer correspondências entre os diferentes “níveis” da realidade, tenderia a destacar focos de sentido chamados “símbolos”, dos quais irradiariam expressões diversas da grande unidade.
Este é de fato o modo mais simples da constituição da gnose: ela é um conhecimento simbolista que se alimenta da descoberta e explicitação das analogias. Mas é preciso fundamentar este conhecimento em legitimidade.
Percebe-se imediatamente que o conhecimento simbolista escapa às normas da ciência positiva para se elevar (ou degradar) em poesia. Assim considerado, ele é portanto ainda — ou novamente — um conhecimento poético. Ora, se todo homem é poeta e consegue comunicar sua visão poética, nunca o faz senão parcialmente. Dois poetas nunca falam completamente a mesma língua. A essência da poesia, como a da beleza, reside na distância. Os signos que dirigimos ao mundo estão sempre carregados de um sentido que ignoramos, os signos transbordam de sentido.
Contudo, se não há poeta verdadeiro que não tenha redescoberto em si a exigência de Lautréamont — “A poesia deve ser feita por todos, não por um” — e que não tenha sentido sua poesia lhe escapar, compondo-se fora dele em ressonâncias para lhe retornar transfigurada, carregada de mais força evocatória do que ele lhe deu, não se vê como uma harmonia poderia surgir do caos musical das poesias individuais se o próprio conhecimento simbolista, em seu conjunto, não fosse tecido de uma sutil unidade, se, sob ele, não fosse possível reduzir seu instrumento e reconstituir seu procedimento sob a forma de um modo instrumental rigoroso, se, em outras palavras, uma legitimação de seus fundamentos não pudesse ser estabelecida.