Uma enorme diversidade de relatos ou contos se compuseram ao longo de gerações sucessivas, seja se referindo a episódios vividos ou imaginados, seja narrando sob a forma de mitos diferentes aspectos da profundeza do mundo visível, seja guardando em estórias mensagens de sabedoria para as próximas gerações. Assim também, cada indivíduo compartilhando deste acervo conta sua própria estória de vida, e nela se coloca como personagem principal, desempenhando os ditames que estabeleceu como seu papel nesta narrativa imaginária.
O filósofo budista David Loy escreveu um livro fascinante, The World is made of Stories, onde nos leva a pensar nas estórias que conto sobre mim mesmo, minha mente, meu corpo, meu mundo, meus iguais, meus outros. Estas estórias compõem o sonho que denomino “minha vida”, “meu mundo”, “minhas coisas”, “meus amigos”, “meus inimigos”. Fica portanto mais e mais imperativa a questão “quem sou eu?”: o contador da estória, o personagem da estória, a estória, ou ”a consciência EM QUE a estória aparece, COM QUE tomo conhecimento da estória, DE QUE a própria estória é feita”.
- Pierre Gordon
- Marie-Louise von Franz
Pierre Gordon
O que dá a melhor impressão do ”mundo verdadeiro”, do mundo da liberdade, são os contos de fadas. E, entre as obras literárias francesas, aquelas que se devem aconselhar a leitura a quem quer ter uma visão da ”realidade”, são os Contos de Perrault. O resto, é frequentemente, literatura; é algo de relativo ao mundo que passa, ao mundo aparente, ”ao mundo que não é”, ao mundo da necessidade.
Nada é tão revelador da alma humana como os relatos do tempo onde os animais falavam. Existem absolutamente por toda parte, e o fundo é o mesmo. Só os detalhes variam [v. homens-animais].
Van Gennep, depois de ter assinalado a universalidade do tema dito «dos objetos maravilhosos», escreve [La Formation des Légendes — 1912, p.46]. «A mesa, o vaso, a bolsa inesgotável fazem parte de um grupo onde entra a multiplicação dos peixes e dos pães do Evangelho». Frase interessante, não, certamente, no sentido que ela orienta para uma comparação. Os ”procedimentos” são efetivamente os mesmos; são aqueles do mundo energético, aqueles de um universo onde o espaço e o tempo humanos não contam, onde o pensamento realiza instantaneamente seu objeto, e fabrica sem resistência o cosmo segundo suas visões; onde, por outro lado, a palavra é imediatamente criadora. É por aí que os contos de fadas são mais ”verdadeiros” que a maior parte das obras literárias, e diferentemente delas, suportarão sempre a leitura. O que há de falso, neles, é que eles não respondem a nada de autêntico nem de histórico ”no mundo sensível”. Mas, a este respeito, a maior parte das obras literárias mais pretensiosas são, o que quer que possam parecer, classificadas igualmente. Um romance ”recorte de vida” é, sob o ponto de vista do conteúdo, uma composição de abstrações mentais, tão estranha à ambiência cotidiana quanto ”Pele de Asno” e ”Cinderela”. [Pierre Gordon: ”A Revelação Primitiva”]