Ananda Coomaraswamy — Pensamento Vivo de Buda
VIDE: Caminho do Meio
Caminho do Meio Budista
Esta doutrina importantíssima, que é platônica, aristotélica e escolástica, tanto como bramânica e budista, tem tantas aplicações quantas alternativas possui; se se escolhe entre este mundo e qualquer outro (que se opõe como as “orlas” de um mar) este é apenas um caso particular.
O verdadeiro “habitante do fim do mundo (lok’anta-gu) não está ligado à existência neste mundo nem a nenhum outro, por mais alto que seja; pois todos os seres (satta), os deuses como os homens, estão presos nas correntes da morte” (Samyutta_Nikaya I, 97, 105). Há sempre dois extremos (anta); é perante o extremista (anta-g-gahika) que dá um valor absoluto a um ou outro, que Buda propõe o que é mediano; o verdadeiro “Caminhar com Deus” (brahmacariya) é um caminho do meio. Desde o tempo em que era Bodhisatta, após ter sido criado na abundância, depois de ter mortificado a carne quase até morrer, o Mestre compreendera que nem um nem outro destes extremos o conduziria ao conhecimento que procurava e que obteve seguindo o Caminho do Meio. (Vinaya_Pitaka I, 10). Da mesma maneira, a Pureza não se obtém pela virtude, como também sem ela (Suttanipata 839) ; trata-se de ser puro não somente do vício mas também da virtude. O mesmo se dá com todas as “teorias” (ditthi), todas as afirmações e negações: é (é o erro eternalista) e não é (é o erro aniquilacionista) não são nem uma nem outra das definições exatas da realidade última (Samyutta_Nikaya II, 19-20, 117) : como para Bvethins, “a fé é uma média entre heresias contrárias”. Isto não quer dizer que o Caminho do Meio tenha uma dimensão; se se quisesse localizá-lo no espaço, o fim não estaria aqui, nem além, nem entre os dois (Udana 8) e não é “contando seus passos” mas em si mesmo que se chega ao fim do mundo (Samyutta_Nikaya I, 61-62; Anguttara_Nikaya II, 48-49; Samyutta_Nikaya IV, 94). O tempo é encarado da mesma maneira, e é talvez este o lado mais interessante do princípio atomista. A existência (isto é, a origem e a dissolução) de todas as coisas, é momentânea (khamika, Visuddhimagga. I, 230, 239; Dpvs. I, 16) como ela o era para Heráclito (cf. Plutarco, Moralia, 392 a. E.) Este instante (khana) no qual todas as coisas surgem, existem e cessam de ser simultaneamente, é este presente sem duração que separa o passado do futuro e dá a ambos uma significação. O tempo, no seio do qual sobrevém a mutação, não é nada mais que a sucessão ou fluxo de instantes análogos, cada um dos quais sendo em si fora do tempo1 é nosso Caminho do Meio (Anguttara_Nikaya IV, 137). A vida, tal como a conhecemos empiricamente, é o campo das ações transitórias, e são elas, precisamente, das quais herdamos as consequências. Por outro lado, as atividades imanentes, permanecendo confinadas no agente, não envolvem este nos acontecimentos exteriores, e, pela mesma razão, permanecem inacessíveis à observação. Várias expressões budistas (por ex. thit’ato (Samyutta_Nikaya m, 55; Suttanipata 519, cf. 920)) que se opõem ao caráter transitório aniccam de tudo o que é não-Ipseidade, implicam a imobilidade do Eu liberto. Daí resulta que a vida transcendente, supra-lógica, do Eu liberto, está contida no Eu. Os instantes tomados em si mesmos são apenas um só; sua sucessão aparente é convencional.
O “instante” sem duração, consequentemente, é nossa mais bela ocasião: — “é hoje o dia da salvação” — e vemos Buda dirigir elogios aos religiosos que “aproveitaram seu instante”, e censurar os que o deixaram escapar (Samyutta_Nikaya IV, 126; Suttanipata 333). Os instantes, de fato, não escapam; mas quem consegue segurar um, escapa de uma só vez a sua sucessão; para o Arahant que “expirou”, o Tempo não mais existe. Seja qual for o caso, é pelo princípio de causalidade que Buda ensina o Caminho do Meio: sejam quais forem os dois extremos, é o desejo, literalmente a “sede” (tanha) que “semeia” o ser para um porvir renovado; é somente pensando no Meio que se evita ser contaminado por um extremo ou por outro (Anguttara_Nikaya III, 399-401; Suttanipata 1042). Platão, igualmente, diz que é segurando bem o fio de ouro da Lei comum que o boneco humano evitará os puxões contrários e desordenados que nos puxam pra cá e para lá, na direção das boas ou más ações, determinadas pelos nossos desejos (Das Leis, 644).
É verdade que os “homens têm o sentimento de que o que não pode ser formulado em função do tempo não pode ter significação”, mas “a noção de um ser imutável e estático deve se entender mais como indicando um processo de uma vivacidade tão intensa que ele compreende ao mesmo tempo o princípio e o fim” (W. H. Sheldon, The Modern Schoolman, XXr 133). “Mais a vida do eu se identifica com a vida do não-eu (isto é, o Eu), mais se vive intensamente (Abd-el-Hadii no Véu de Ísis, jan. 1934). ↩