Qual é pois a tarefa que resta a cumprir aos religiosos e àqueles que atingiram uma vida (susceptível de durar idades) nos céus do Empíreo, sem pertencer ainda ao número de Arahants cuja “tarefa foi cumprida”? Não se trata de obter um estado superior pelas boas obras; o fruto das obras já foi adquirido: trata-se daí por diante unicamente da vida de contemplação (jhana). O jhana (sânsc. dhyana; chin. tch’an; jap. zen) corresponde quase exatamente ao segundo termo da série “Consideração, Contemplação e Êxtase” na ascese ocidental; a samadhi, literalmente “com-posição” ou “sín-tese”, como a dos raios no centro do círculo1, corresponde ao Êxtase e pressupõe a consumação do jhana em todas as etapas. O jhana, é a realização ativa e desejada de estados de ser diversos daquele no qual o contemplativo se encontra normalmente; a ifórça do termo é totalmente desconhecida pelos sábios que a denominam uma “meditação” ou, o que é ainda mais falso, um “devaneio”. A contemplação é uma disciplina mental das mais árduas, que exige uma longa prática: não é uma variedade de sonho no estado de vigília; “nada aí lembra o transe,, mas muito mais uma vitalidade exaltada” (P. T. S. Pali Dictionary, s. v. jhana). O adepto pode passar na hierarquia dos estados de um a outro; à sua vontade, e a nela tornar a descer (Digha_Nikaya II, 71, 156) ; este domínio absoluto dos estados contemplativos distingue claramente o yoga hindu de toda a experiência mística que é apenas passiva e adventícia. Os estados contemplativos constituem uma espécie de escala que se pode ascender de estados de ser ou “níveis” inferiores, aos superiores; mas a finalidade última da libertação se encontra ainda além.
Os jhanas são em número de quatro, acessíveis tanto aos leigos quanto aos monges; com os quatro arupa-jhanats (estados “sem forma”, completamente imateriais), é uma série de oito etapas da libertação (vimokkha, Digha_Nikaya II, 69-71, 112, 156, e passim). No primeiro jhana, é preciso dar ao espírito “uma única direção” e voltar a atenção sobre qualquer suporte da contemplação que seja de uma natureza apropriada ao temperamento e à constituição do discípulo; é geralmente seu mestre que o escolhe. No segundo, o praticante vê ainda a forma exterior a ele, mas não mais tem consciência da sua própria; é uma experiência extática. No terceiro, o êxtase se desvanece, e só resta uma consciência da infinidade do poder de discriminação (vinnana). No sexto domina a sensação que “nada existe” (n’atthi kimci). No sétimo, não há mais discriminação, e é um estado onde não há nem consciência nem inconsciência (sanna). No oitavo, há a interrupção de toda a consciência ou sensação (Digha_Nikaya II, 69-71, 112, 156). Quando um religioso se tornou mestre destes oito graus da libertação em sua ordem ascendente, em sua ordem descendente, e numa e outra ordem consecutivamente, de tal sorte que se pode submergir em qualquer um destes estados ou deles sair à vontade e durante o tempo que desejar; quando pela extirpação dos fluxos ele penetra nesta liberdade da vontade (ceto vimutti) e nesta liberdade intelectual (panna — vimutti) da qual ele tem agora um conhecimento direto e uma prática efetiva desde agora, então se diz deste religioso que ele é “livre nos dois sentidos”, e não existe liberdade, nos dois sentidos, diversa nem mais alta que aquela (Digha_Nikaya II, 71; cf. Suttanipata 734-753).
Mas é necessário compreender bem claramente que a obtenção deste completo domínio, permitindo percorrer a hierarquia dos estados de existência ou céus superpostos, não é um fim em si, mas um meio de obter a libertação de todos os “estados”; pois todos são contingentes, todos têm uma origem e um fim; por pouco que se conheça sua natureza verdadeira, seus prazeres e suas dores, e o meio de deles se evadir (nissaranam), ninguém com eles se deliciará nem nele desejará permanecer para sempre, fosse mesmo no estado mais alto (Digha_Nikaya II, 79). Seja qual for nossa situação na hierarquia dos mundos, sempre restar-nos-á uma outra margem a atingir; é somente para o ser completamente liberto que nada mais resta a cumprir. Do ponto de vista do summum bonum; alcançar um dos céus não vale muito mais que estar ainda neste mundo; a grande obra não está ainda realizada. É para explicar isso que Buda expõe a doutrina do Caminho do Meio: majjhena tathagato dhammam deseti.
[Ananda Coomaraswamy — Pensamento Vivo de Buda]No simbolismo arquitetural, ao qual sei refere frequentemente, a concentração do.s poderes psíquicos em sua origem, empresta, frequentemente, a imagem dos arqueiros que se reúnem no acabamento do zimbório, e este acabamento (arrendado) é a “(porta do sol” pela qual se escapa de um mundo condicionado qualquer, que representa o espaço interior (a “gruta” de Platão) do edifício. ↩