Essa procissão corresponde à abordagem que o pensamento especulativo impõe a si mesmo para passar da Unidade do Um absoluto à multiplicação do ser e à multiplicidade dos seres. Essa passagem é regida por um princípio rigoroso: Ex uno non provenit nisi unum. A ideia exotérica da Criação é, portanto, excluída, na medida em que pressupõe uma decisão voluntária, uma espécie de “golpe de estado” arbitrário, e coloca as criaturas no mesmo plano de criatura em relação ao seu Criador. É um estabelecimento eterno, exigido pela própria necessidade do Ser Necessário. Ser existenciado dessa forma é, portanto, eternamente necessário pelo Ser necessário, embora em si mesmo esse ser existenciado não seja nada mais do que um poder-ser. É claro que essa possibilidade pura é apenas um modo de considerar o ser, uma vez que o possível é, de fato, necessário para ser pelo primeiro Ser. Essa negatividade, que é uma autolimitação do ser, determina a transição da Unidade absoluta do Um primordial para a Unidade múltipla então multiplicada na multidão de unidades. Essa mesma transição requer um meio, um intermediário, que é a Primeira Causa do Ser Único e Necessário. Uma vez que o ser dessa Primeira Causa contém tanto o necessário quanto o possível, sua unidade já não é mais a Unidade pura. Através de sua mediação, inicia-se o processo que evoca no ser a pluralidade de substâncias separadas, cada unidade das quais constitui individual e respectivamente sua própria espécie, – até a zona sombria onde o ser é finalmente exaurido e degradado nessa multiplicidade que constituirá uma multidão de indivíduos sob a mesma espécie.
A Primeira Causa (al-ma’lûl al-awwal), a Origem primordial (al-Mobda al-awwal) é, em seu ser, a intelecção (ta’aqqol) que o Primeiro Princípio tem de si mesmo, sem a necessidade da inovação de uma Forma que o Princípio tomaria como substrato. O Primeiro Causado é precisamente o Pensamento eternamente pensado pelo Pensamento que se pensa a si mesmo. Louis Gardet observa com razão que o Primeiro Ser de Avicena não é o Pensamento que não pensa (Plotino), mas esse puro Pensamento que pensa a si mesmo, que é também a Beleza e a Bondade soberanas e o Amor primordial. Mas esse Pensamento, essa Inteligência (‘Aql, Noûs), que é a intelecção que o Ser primordial intelecciona de si mesmo, é também uma procissão para fora de si mesmo; o ato eterno desse Pensamento é uma eterna gênese do ser, de um ser que procede da Unidade do Ser Necessário e que se distingue dele, e que, por se distinguir dele, já contém em seu ser uma dualidade. É essa Primeira Causa que será designada sob vários nomes pelos quais a angelologia, elevando-se muito acima do plano da criatura, assume o significado de uma epifania do Primeiro Princípio eternamente revelando a si mesmo. A Primeira Causa é a Primeira Inteligência (al-‘Aql al-awwal), que no Relato de Hayy ibn Yaqzan é o Primeiro dos Querubins (Karûbûn, Karûbîyûn). Na teosofia ismaelita, ele é chamado de Arcanjo Muito Próximo, o Arcanjo Sacrossanto. Na teosofia sohravardiana de Ishraq, ele recebe o nome de Bahman (Vohu Manah), que é o nome do primeiro, depois de Ohrmazd, dos Amahraspands ou Arcanjos zoroastrianos.