(…) o intelecto humano não é simplesmente uma disposição para o conhecimento inteligível; é o parceiro do Anjo, o “companheiro de viagem” guiado por ele, aquele que o Anjo, por sua vez, precisa para celebrar seu serviço divino, ou seja, para irradiar as Formas e, assim, ascender em direção ao seu princípio (cf. Hayy ibn Yaqzan § xxv). É em um sentido bem diferente do averroísmo que a relação com a Inteligência Agente é aqui, na perspectiva aviceniana, a garantia da superexistência, e isso ocorre precisamente porque essa relação pressupõe a noção de alma, porque nossa alma se comporta em relação à Inteligência que age, assim como cada Nafs se comporta em relação a seu ‘Aql, cada Anjo celestial se comporta em relação a seu Kerub. Portanto, é importante entender o que, por si só, torna necessária a noção dessas Almas celestes, que Averroes rejeitou como supérfluas. Sua necessidade aparecerá então em relação à alma humana, do ponto de vista de uma dupla pedagogia: tanto na medida em que elas intervêm “pessoalmente”, quanto na medida em que se propõem a ela como modelo.
De cada Inteligência separada emana um Céu. É a Inteligência que move esse Céu pelo amor e pelo desejo de que ele é o fim, mas o princípio seguinte do movimento desse Orbe celeste não pode ser uma Energia puramente intelectual que não estaria sujeita a nenhuma mutação e não imaginaria de modo algum as coisas particulares. O ritmo ternário da Emanação significa que de cada Inteligência procede não apenas outra Inteligência e um Céu, mas também uma Alma que é intermediária e mediadora entre esse Céu e a Inteligência da qual ele emana. A Alma hipostasia não a “dimensão” mais elevada da Inteligência, a saber, sua intelecção do Princípio do qual se origina, mas uma “dimensão” intermediária, a saber, a intelecção de seu próprio ser, conforme exigido pela necessidade de seu Princípio. Como tal, a Alma não encontra a perfeição no primeiro estado em que é constituída. “A partir de então, ela é afetada pelo desejo, pelo amor (‘ishq) que a leva em direção ao que ainda não foi realizado nela, em direção ao seu princípio de perfeição. É para atingir esse objetivo que coloca em movimento o corpo do qual depende. Sua existência é necessária na hierarquia dos seres para explicar esse movimento.
Essa situação das almas celestiais corresponde, na alma humana, à de suas duas potências intelectuais, que é chamada de intellectus practicus (‘aql-e kârkun) e que é tipificada como sendo dos dois “anjos terrestres” aquele que “fica à esquerda”, aquele cuja tarefa é escrever, ou seja, agir e executar o que é ditado pelo anjo que “fica à direita”. As almas celestiais e as almas humanas compartilham essa característica comum de não serem puramente inteligenciais ou intelectuais na constituição primária de sua essência; elas compartilham a função de reger e governar corpos físicos. Para fazer isso, eles precisam imaginar. Todo o imenso mundo da imaginação, o universo do símbolo (‘alam al-mithal) não existiria sem a alma. Mas aqui as almas celestiais têm um lugar especial; desde a própria origem de seu ser, elas derivam da Inteligência ou Arcanjo do qual emanam tudo o que é necessário para o exercício de seu ser. O corpo que elas têm, que “materializa” o pensamento do mesmo Arcanjo, é de “matéria celestial”, uma quinta essentia que é sutil e incorruptível. Por essa razão, e porque não são, como as imaginações humanas, dependentes do conhecimento sensível, suas imaginações são verdadeiras. Cada uma “move sua esfera com um movimento natural, perpétuo e circular, mas cujo motor é a vontade e o desejo de amor de se assimilar à Inteligência perfeitamente feliz da qual emana”.
(CorbinAvicena)