Corbin (CETC) – Anjos Mazdeístas

Henry Corbin: Corpo Espiritual e Terra Celeste

Nesta obra [de salvação], os Arcanjos supremos são ajudados em primeiro lugar pela multitude dos Yazatas (persa Izad, literalmente os «Adoráveis», aqueles que são objetos de uma liturgia, de um Yasna); são propriamente os Anjos do mazdeísmo, e a ideia de sua cooperação com os Amahraspands apresenta uma convergência chocante com a angelologia neoplatônica. Há entre eles Zamyat, o Anjo feminino da Terra como Dea terrestris e Glória telúrica, cooperadora do Arcanjo Amertat. Quis-se ver nela um simples dublê de Spenta Armaiti; sua função e sua pessoa nos aparecerão finalmente como distintas. Também todas os Celestes são Yazatas, aí compreendendo Ohrmazd e os Amahraspands, sem que os Yazatas sejam todos Amahraspands, a respeito dos quais formam todavia como uma hierarquia subordinada. Há enfim a inumerável multitude das entidades celestes femininas chamadas Fravartis (litt. «aquelas que escolheram», quer dizer escolheram combater para vir em ajuda a Ohrmazd), e que são ao mesmo tempo os arquétipos celestes dos seres e seu anjo tutelar respectivo; são metafisicamente não menos necessárias que os Yazatas, posto que sem sua ajuda Ohrmazd não teria podido defender sua criação contra a invasão destruidora dos Poderes demoníacos. Elas anunciam uma estrutura universal do ser e dos seres, segundo a ontologia masdeísta. Cada entidade física ou moral, cada ser completo ou cada grupo de seres pertencendo ao mundo de Luz, tem sua Fravarti, aí compreendido Ohrmazd, os Amahraspands e os Izads.

O que elas anunciam aos seres terrestres, é portanto uma estrutura essencialmente dual que dá a cada um seu arquétipo celeste ou Anjo do qual ele é a contrapartida terrestre. Neste sentido há uma dualidade mais essencial ainda à cosmologia mazdeísta que é o dualismo LuzTrevas, que dela é o aspecto retido mais correntemente; este dualismo só faz exprimir a fase dramática atravessada pela Criação de Luz que invadiram e que massacram os Poderes demoníacos, e é um dualismo que interpreta esta negatividade sem compromisso, sem reduzir o mal a uma privatio boni. Quanto à dualidade essencial, ela conjuga um ser de luz com um outro ser de luz; mas jamais um ser de luz pode ter seu complemento em um ser de trevas, seja sua própria sombra: o próprio dos corpos de luz na Terra transfigurada é precisamente não «fazer sombra», e no pleroma é sempre «meio-dia».

Esta estrutura dual instaura uma relação pessoal que duplica esta outra relação fundamental que a cosmologia mazdeísta exprime em distinguindo o estado menok e o estado getik dos seres. Esta distinção não exatamente aquela do inteligível e do sensível, nem simplesmente aquela do incorporal e do corporal (pois os Poderes celestes têm corpos muito sutis de luz); é de preferência a relação entre o invisível e o visível, o sutil e o denso, o celeste e o terrestre, ficando bem entendido que o estado getik, material terrestre, não implica absolutamente em si uma degradação do ser, mas era ele mesmo antes — como o será após — a invasão ahrimaniana, um estado glorioso de luz, de paz e de incorruptibilidade. Cada ser pode ser pensado em seu estado menok assim como em seu estado getik (a Terra, por exemplo, em seu estado celeste é designada como zam; em seu estado empírico, material, ponderável, como zamik, persa zamin).

Aí mesmo, alcançamos este modo próprio de perceber os seres e as coisas que, em se pondo a compreender não mais simplesmente isto que são, mas quem são, as encontra na pessoa de seu Anjo. É bem evidente que a visão mental do Anjo da Terra, por exemplo, não é uma experiência sensível. Se nossos hábitos lógicos relegam o fato no imaginário, a questão de saber o que pode legitimar uma identificação do imaginário com o arbitrário e o irreal, não deixa de subsistir; a questão de saber se só têm valor de conhecimento real, as representações derivando das percepções física, se só têm valor de fato os eventos fisicamente controláveis. É preciso se questionar se a ação invisível de forças que têm sua expressão simplesmente física nos processos naturais, não pode provocar a entrada em jogo de energias psíquicas negligenciadas ou paralisadas por nossos hábito, e alcançar diretamente uma Imaginação que, longe de ser invenção arbitrária, corresponde a esta Imaginação que os alquimistas denominavam «Imaginatio vera» e que é o «astrum in homine».

[CETC]

Henry Corbin (1903-1978)