Wasserstrom – Fases da vida de Henry Corbin

FASES DA VIDA DE HENRY CORBIN
Excertos da tradução em português de Dimas David Santos Silva, do livro de Steven Wasserstrom, “Religion after Religion”

Um resumo de sua notável carreira, embora a mesma possa e tenha sido dividida segundo diversos critérios diferentes, comportaria três fases, a primeira em Paris, nos anos vinte e trinta, a segunda em Istambul de 1939 a 1946, e a última em Teerã e Paris, de 1946 até sua morte em outubro de 1978, poucas semanas antes da volta do aiatolá Khomeini. E esta última fase, com certeza, a de maior importância aqui neste estudo.

Corbin completou sua educação católica em 1923, com a idade de vinte anos. Durante os anos vinte, estudou filosofia medieval com Gilson e sânscrito com Louis Renou, antes de voltar-se para o árabe e para o pérsico. Em retrospecto, parece agora que ele pertencia totalmente à geração de jovens intelectuais católicos europeus que radicalizaram seu afastamento da Igreja. Estes jovens intelectuais deram as costas à Europa e à Igreja e se voltaram para o existencialismo, para o paganismo e para o Islã. Até o final de sua vida, Corbin denunciou a Igreja como se a mesma fosse na verdade um Grande Satã. O Islã pareceu servir como seu meio de escape da Igreja — por exemplo, quando ele afirmava que o fenômeno da Igreja não existe no Islã. De forma semelhante, como ele afirmou em 1959, ‘O Islã xiita coloca muito bem o problema teológico da história das religiões pós-cristãs em relação à teologia cristã’.

Seu mentor acadêmico foi o principal islamicista francês de sua época, Louis Massignon (1883-1962), um piedoso clérigo leigo da Igreja Romana. Nos primeiros anos da década de trinta, Massignon lhe apresentou as obras de Shihab al-Din Suhrawardi com o seguinte comentário: Acho que existe alguma coisa neste livro para você. Por volta de 1933, Corbin já estava publicando estudos a respeito de Suhrawardi e traduções do mesmo. Nesse meio tempo, ele estava profundamente envolvido em círculos intelectuais e culturais, especialmente aqueles que seguiam Karl Barth e Martin Heidegger. Em 1938, Corbin tornou-se o primeiro tradutor em francês de Heidegger, mesmo tendo seus conceitos baseados em Heidegger logo assumido a forma singular de um gnosticismo orientalista luterano. Corbin também traduziu A ideia do Socialismo, de Hendrik de Man, com Alexandre Kojève, que logo também ficou famoso nos corredores da Sorbonne por suas palestras sobre Hegel e o final da História. Corbin terminou seu período parisiense nos anos trinta com uma série de memoráveis palestras sobre o ‘Mago do Norte’, Johann Georg Hamann, um dos primeiros pensadores românticos alemães.

Em 1939, Corbin partiu para Istambul em uma missão que iria ostensivamente durar três meses e acabou durando seis anos. O prolífico escritor nada publicou durante este período.

No decorrer destes anos aprendi a inestimável virtude do silêncio, que os iniciados chamam de ‘a disciplina do arcano’ (Ketman em persa). Uma das vantagens deste silêncio foi ser colocado em solitária companhia de meu invisível Shaykh, Shihaboddin Yahya Sohravardi, que foi um mártir que morreu em 1191, com a idade de 36 anos, a mesma idade que eu tinha naquela época.

Fragmentos autobiográficos de Corbin, assim como seus biógrafos, declaram que aqueles anos de guerra em Istambul foram devotados ao estudo solitário dos manuscritos de Suhrawardi e sua tradução. Mais tarde ele identificou os associados em Istambul, que incluia alemães e romenos. O governo de Vichy não o afastou de seu cargo. Não há evidência, contudo, de que ele tivesse apoiado esse governo. No entanto, ele citou com aprovação Maurice Bardèche, que apoiava Vichy e tinha ideologia fascista, em sua palestra de 1965 em Eranos, especificamente no contexto da definição da atitude característica ali defendida. Como frequente visitante da Alemanha nos anos trinta, como colega bastante íntimo de importantes simpatizantes do fascismo de toda a Europa, como um teutófilo durante toda a sua vida, e como inimigo figadal da democracia liberal e do humanismo secular, não seria de admirar que Corbin apoiasse Vichy. De qualquer maneira, esta possibilidade sugere várias leituras de sua declaração de que ‘no curso daqueles anos (em Istambul) aprendi a inestimável virtude do silêncio, que os iniciados chamam de ‘a disciplina do arcano’.

Corbin rompeu este silêncio público em 1946, iniciando uma carreira de publicações acadêmicas que floresceu imediatamente e continuou com sucesso até sua morte em 1978, sendo ele considerado um dos estudiosos do Islã mais reconhecidos da Europa. Em trinta e dois anos, ele dividiu seu tempo entre Paris e Teerã. Recebeu a proteção e o apoio do xá do Irã; sucedeu Louis Massignon como diretor dos estudos na Escola Prática de Altos Estudos da Sorbonne; fez palestras quase todos os anos nos encontros em Eranos, na Suíça; foi subsidiado pela famosa Fundação Bollingen e publicado neste país pela mesma.

Henry Corbin (1903-1978)