Corbin (FDFH:238) – Teoandria

Com muita frequência, infelizmente, essa área do pensamento espiritual é tratada como exótica e de interesse apenas para especialistas. Por outro lado, quando um filósofo ou teólogo se propõe a nos mostrar, nesta ou naquela antropologia professada hoje, uma secularização ou uma socialização da cristologia, ele imediatamente desperta um interesse que é atestado por aprovações ou contradições. No centro da discussão permanecerão o conceito e os problemas conotados pelo termo grego theandria (ou theoandria, se quisermos dar uma melhor indicação de sua etimologia), termo que designa a unidade divino-humana que domina o horizonte da cristologia. Agora, como se entende que a teologia islâmica conhece apenas o Um transcendente, não surge a ideia de que ela possa dar uma contribuição positiva ao tema da teoandria. Isso é verdade, se nos referirmos apenas à teologia majoritária do sunnismo. Não é mais assim se nos referirmos à teosofia mística do sufismo, onde a ideia do Homem Perfeito (anthrôpos teleios) domina. Isso não é mais o caso, entretanto, se olharmos para o que foi ignorado por muito tempo no Ocidente, a teologia e a teosofia do xiismo, porque lá, para garantir a transcendência do Tawhid, a imâmologia assume uma função que é a contrapartida da função da cristologia na teologia cristã. Agora, ao assumir essa função, ela se deparou com os mesmos problemas que a cristologia, mas sempre os resolveu de uma forma que foi rejeitada pela história do cristianismo oficial. Tantas coisas estão sendo questionadas hoje que talvez possamos apreciar a importância crucial da teologia xiita. O que pensávamos ter sido deixado para trás, à margem do que chamamos de história, agora nos é proposto “no presente”, incentivando-nos a não ignorá-lo sob o pretexto de que uma determinada concepção do mundo não é “do nosso tempo”, mas a entender que não se trata de referir-se ao “nosso tempo” ou a qualquer outro, mas a uma dimensão polar que o homem perdeu, assim que começou a “fazer história” para ser “do seu tempo”.

Henry Corbin (1903-1978)