Henry Corbin — RESUMO DO PENSAMENTO
Excertos da tradução em português de Dimas David Santos Silva, do livro de Steven Wasserstrom, “Religion after Religion”
A obra produzida por Corbin, de 1946 a 1978, é admirável em escopo, complexidade e sutileza. Sem nenhuma pretensão de ser completo, portanto, destacarei em seguida cinco temas principais da obra, que se interpenetram e se sobrepõem, abrangendo aquele período: esoterismo, antimoder-nismo, angeologia, a teoria do imaginário e a ideia, do incógnito. Devo observar que a fase de Teerã, da qual mais trato, começou quando Corbin tinha quarenta e dois anos de idade. O programa maduro que ele anunciou em 1946, portanto, nunca mudou, mas apenas foi se aprofundando e se desenvolvendo ao longo de linhas plenamente em vigor naquela época. Por esta razão, sinto-me justificado ao generalizar a respeito da obra como um todo. Finalmente, para meu propósito, vou concentrar-me no último dos cinco temas e comentar rapidamente os outros quatro.
Primeiro, seus estudos abrangiam um esoterismo. Corbin descreveu de várias maneiras seu enfoque esotérico, gnóstico ou teosófico; rejeitou títulos tais como mito, magia e misticismo. Sua teoria madura, pelo contrário, situava-se, por um lado, nas ciências ocultas do Ocidente, na alquimia e no hermetismo; por outro lado, na linha do esoterismo filosófico medieval. Se eu fosse caracterizar desenvolvimentos dentro do seu esoterismo, eu diria que, na primeira parte da fase de Teerã, Corbin enfatizou a dimensão individual e filosófica; na segunda fase, mais ou menos nos quinze últimos anos de sua vida, ele se concentrou no coletivo e na natureza ocultista do imperativo esotérico.
Antimodernismo é uma segunda característica deste pensamento, intimamente relacionada com a primeira. Corbin rejeitou consistente e uniformemente o desenvolvimento característico da modernidade intelectual, especialmente o historicismo, a sociologia e a secularização. Como ele afirmou, já perto do final de sua vida: ‘A norma de nosso mundo pode assumir qualquer nome: sociologia, materialismo dialético ou não dialético, positivismo, historicismo, psicanálise, e assim por diante.’ Em outro ponto do mesmo ensaio ele afirma: ‘Sociólogos e filósofos da história são os seguidores dóceis do Faraó.’ Quatro meses antes de sua morte ele inaugurou a Universidade Saint Jean de Jerusalém. Em seu inflamado discurso de abertura ele expôs o contraste entre a chamada ciência ocidental e a gnose oriental, levantando a seguinte questão: ‘Será que há de fato uma renovação da gnose, levando-se em conta o fato que a gnose não pode permanecer indefinidamente ausente e que seu banimento foi uma catástrofe?’ Para Henry Corbin, a modernidade é uma catástrofe. Na última de suas declarações importantes, ele ‘coloca a mesma catástrofe no centro da história do mundo: a destruição do Templo, do mesmo templo.’ Apenas oito meses antes de sua morte ele reafirmou esta ênfase à sua maneira favorita (seguindo Martin Heidegger): ‘Confundir o Ser com o ser é a catástrofe metafísica.’ Esta confusão caracteriza o desastre filosófico central no coração sombrio da vida intelectual contemporânea.
Um terceiro elemento característico do pensamento de Corbin foi sua angeologia. Aqui, mais do que em qualquer outro ponto, acredito eu, as brilhantes percepções de Corbin e sua visão que atingia muito longe produziram um valioso resultado. Ainda que esta seja a substância de sua teologia, está fora de meu escopo aqui. Eu simplesmente observo que ele via esta teosofia centrada nos anjos como diametralmente oposta ao estudo histórico da religião: ‘A angeologia e a sociologia devem permanecer para sempre estranhas uma à outra.’
Em seguida à sua angeologia, Corbin concomitantemente elaborou o que pode ser chamado de teoria do campo unificado da experiência religiosa. Esta teoria baseava-se em sua concepção do imaginário. Ele posicionou uma dimensão de experiência supra-sensível e submundana que chamava de mundus imaginalis (al-‘alam al-mithal em árabe), um terceiro mundo a meio caminho entre o mundo da percepção sensível e o mundo da intelegibilidade. Com uma mistura de ardor e de erudição provavelmente sem paralelos nos estudos contemporâneos, Corbin questionava a realidade ontológica dos objetos da experiência visionária. Em cuidadoso contraste com as projeções meramente imaginárias da psique humana, ele criou o celebrado termo imaginário para referir-se a esta realidade. Esta ênfase na realidade dos objetos da imaginação tornaram Corbin um favorito dos teóricos da poética durante décadas, culminando em sua proeminente influência sobre a psicologia arquetípica pós-junguiana de James Hillman, caracterizada como ‘uma base poética da mente’.