Acabamos de apresentar a primeira dificuldade: a sempre ameaçadora confusão, em francês, entre l’être, como verbo que significa que uma coisa é, e l’être, como substantivo que significa qualquer uma das coisas que se diz que são, os seres. A anfibologia teria sido dissipada de uma vez por todas se o uso de l’étant (para o ser como ens) tivesse prevalecido na linguagem filosófica, como proposto por Scipio du Pleix (oportunamente resgatado do esquecimento por E. Gilson) em sua Métaphysique publicada em 1617, uma obra contemporânea de nosso Mollâ Sadrâ. Como podemos pensar sobre a relação entre um e outro, a relação entre ser e ente, e como o destino da metafísica do ser depende do significado dessa relação?
Dar uma resposta satisfatória a essa dupla questão é expor a filiação das doutrinas, como fez o grande filósofo medievalista que estamos seguindo aqui. É possível pensar que ser um ser é ser (em árabe, isso é chamado de wojûdîyat al-mawjûd). Também é possível pensar que ser é ser um ser (em árabe, isso é chamado de mawjûdîyat al-wojûd). Parece até mais simples e direto conceber o fato de ser um ser do que o fato bruto de ser. Portanto, ser como substantivo passou a absorver tão completamente a palavra ser tomada como verbo que agora há confusão entre ser um ser e ser. De fato, sem ser, um ser poderia ser um ser. De fato, sem ser, um ser não poderia ser um ser. Portanto, dizer que ele é um ser parece equivalente a dizer que ele é. Aqui, no entanto, a anfibologia irrompe, pois se é verdade que a partir do momento em que ele é, ele é um ser, não podemos simplesmente converter a proposição e dizer que a partir do fato de que ele é um ser, ele é (cf. ibid. p. 12). E o fato de que isso não pode ser dito revela a dupla desvalorização da palavra être na expressão être un être. A primeira palavra, être, não assume mais uma função existencial; não é mais um verbo de existência. Ela assume apenas a função copulativa de julgamento lógico. E um ser não significa mais algo que existe, mas algo do qual formamos um conceito e cuja existência é possível, concebível. É assim que chegamos à incrível definição de Littré, que define o significado próprio e primitivo da palavra être como servindo para vincular o atributo ao sujeito, para atribuir a alguém ou a algo uma qualidade ou um estado (“É difícil de acreditar”, diz Gilson, “e ainda assim Littré acredita”).
É por isso que podemos entender por que a língua espontaneamente duplicou o verbo être com outro verbo “cujo papel é precisamente assumir a função existencial que era originalmente sua e que progressivamente deixou de exercer” (ibid. p. 13). Em francês, o verbo exister assumiu essa função; graças a ele, não é mais possível tergiversar entre dizer que um ser é um ser e dizer que ele existe. O mesmo fenômeno ocorre em inglês, onde não há confusão entre to be e being, e onde frequentemente nos deparamos com fórmulas como God is ou exists (ibid.). Frequentemente traduzimos o Mollâ Sadrâ da mesma maneira.