Cosmogonias Criacionistas

VIDE: Criação; Cosmogonia

COSMOGONIAS CRIACIONISTAS

Quando o paganismo iniciático curvou-se, e que as visões teocráticas cessaram de ser ouvidas (v. Idade de Ouro), aos poucos tudo veio a se repousar sobre o universo físico, visto como único acessível ao homem. O centro de gravidade se deslocou. O estado dinâmico de indivisão e de identidade dos seres (estado de unidade absoluta que não impedia em absoluto a multiplicidade indefinida dos Eus) apareceu desde então como o caos, e o mundo espaço-temporal que dele originou perdeu em seguida a justificação: além do mais se o considerasse como um progresso, em comparação com um estado «caótico» original.

Para resolver os problemas que se punham assim a respeito do universo fenomenal, recorreu-se a diversos sistemas cujos principais são: as cosmogonias criacionistas, as cosmogonias demiúrgicas, as cosmogonias emanacionistas, as cosmologias de teor filosófico ou científico.

O tipo mais perfeito das cosmogonias criacionistas é aquele que nos oferece o primeiro capítulo do Gênesis. A onipotência e a transcendência do Ser absoluto apresentam-se com uma luz transbordante. O cosmo físico encontra assim sua causa adequada em Deus, que a princípio ordenou a criação terrestre em relação ao homem, ao qual ela conclui. Uma vez que aparece o ser humano, Deus cessa de criar aqui; segundo a tocante expressão do texto, ele «repousa»; o governo do planeta é repassado ao homem; é a este que ele incumbe de prosseguir a obra divina.

Apercebe-se imediatamente que este admirável relato — que transcreve, com certeza, ritos cotidianos de criação, ritos escalonados sobre sete dias (eis porque a criação se encontra repartida segundo este número) — está incompleto. Ele não deixa em absoluto entrever, com efeito, porque o universo espaço-temporal é tão imperfeito e tão inexplicável em seus detalhes. Discerne-se bem claramente os grandes desígnios de Deus a respeito do homem, mas não se compreende que uma obra, que deveria satisfazer a respeito de tudo à inteligência, seja sobre tantos pontos um aborto. Se este primeiro relato não fosse retificado pelo segundo — que transcreve os mais velhos ritos anuais da criação edênica — é evidente que a cosmogonia criacionista seria lacunar.

Em outros termos, esta cosmogonia, para se ater adequadamente aos fatos, volta forçosamente à violência exercida pelo homem sobre o estado primitivo das coisas. O universo, em sua realidade dinâmica, é certa e integralmente a obra de Deus; mas, em sua aparência atual, na maneira que nossos olhos o veem, ele não se explica senão pelo pecado; o homem superior, Filho de Deus, e Rei da Terra, não respondeu às intenções criadoras; não tomou a sucessão de Deus, quando este se «repousou»; daí o descolamento da criação aqui em baixo; ela não era destinada a ser regida por um monstro cósmico, não alcançando mais o coração dos seres, não os apreendendo senão pela casca de espaço, e não aparecendo sobre a terra senão ao seu ranque de animal, ele que, no pensamento divino, preexistiu a todas as criaturas de nosso globo.

Pierre Gordon