Pierre Gordon: IMAGEM DO MUNDO NA ANTIGUIDADE
Pode-se associar em parte aos sistemas criacionistas as cosmogonias que admitem a intervenção de um demiurgo. Elas são intermediárias entre estes sistemas e as doutrinas emanacionistas, às quais não é raro que elas incorporem. Elas contam entre as mais numerosas. Encontram-se por toda parte onde o demiurgo é uma animal. Este detalhe, nos ensinaria sobre a origem destes criadores intermediários. Tratam-se de personalidades transcendentes, sacralizadas anteriormente por peles de animais (v.homens-animais), e cumprindo os ritos de criação. O Demiurgo é frequentemente um oleiro. Em alguns casos encontramos uma tríade criadora, muito evoluída. Um dos três atores divinos preside, o segundo cria o céu, o terceiro faz surgir por seu verbo os seres terrestres.
Frequentemente o ritual diluviano se aproxima do ritual edênico, tanto que o primeiro papel do demiurgo consiste em retirar a terra da água sob a qual ela se encontra afundada.
As cosmogonias demiúrgicas oferecem a vantagem de deixar claramente ver os ritos de que procedem. Elas acusam por aí nitidamente sua origem sacerdotal longínqua, e não deixam esquecer o papel do homem-super-homem na criação física.
No Timeu, Platão refinou estas concepções tradicionais, fazendo-as distorcer. O Demiurgo permanece, muito corretamente, para ele, o ser transcendente que opera a passagem entre o modelo inteligível imutável e o Mundo visível, sujeito a geração; o Demiurgo não se identifica a Deus, que guarda em seu pensamento eterno as Ideias; mas ele se conforma ao plano divino, e eis onde o filósofo grego falseia as visões iniciáticas fundamentais, que faziam intervir a violência ou o pecado do demiurgo. Assim o demiurgo é um ser divino, que se propõe fazer reinar a harmonia na incoerência do caos. Eis porque vai constituir a alma do mundo; em seguida criará os deuses, os homens, os animais e os vegetais; em seguida, sempre misturando o Mesmo com o Outro — ou seja, a Identidade própria ao universo dinâmico e a Diversidade espaço-temporal que caracteriza o cosmos fenomenal formará todas as coisas, e lhes designará leis. — Estamos longe do monstro cósmico que foi em realidade o Demiurgo. O Demiurgo foi certamente em seu princípio um ser divino, um «Filho de Deus», dotado de um poder incomparável; mas sua ação no seio da criação terrestre que temos sob os olhos, resulta disto que ele se despojou desta qualidade e deste poder; todas as imperfeições que abundam nosso aqui em baixo são, diretamente ou indiretamente, sua obra.