Demonização do Cosmos e Dualismo Gnóstico (ICEE)

Ioan Couliano — Experiências do Êxtase (CoulianoPsychanodia)

Demonização do Cosmos e Dualismo Gnóstico (Resumo)

As mudanças nas perspectivas cosmológicas, antropológicas e escatológicas do período clássico, durante o Helenismo e a época romana, foram objeto de pesquisas notáveis por M.P. Nilsson, W. Nestle e E.R. Dodds. O novo Zeitgeist comporta a transcendência radical da divindade, a multiplicação dos sistemas intermediários entre a divindade e o mundo, o tema quase unitário da escatologia celeste.

A partir do século I dC, a escatologia celeste se combina com a demonização do cosmos, triunfante nos sistema gnósticos, do tipo sírio-egípcio ou do tipo iraniano.

No século V AC propagam-se ideias relativas as relações almas-astros e no século I dC se atribui um caráter demoníaco às esferas celestes. Entre os séculos IV e II AC surge um representação intermediária: o inferno celeste.

    • Walter Burkert destrói as teses de Rougier, acentuando as influências orientais, mas também arcaicas.
    • O Mito de Er, embora considerado por alguns estudiosos como de descendência iraniana ou babilônica, procede de uma síntese platônica de elementos do folclore arcaico e das especulações dos pré-socráticos.
  • Inferno celeste (vide nosso Hades)
      • Separação entre mundo sublunar e supralunar: invalidada a origem da teoria pitagórica, considerada de fato de origem provavelmente aristotélica. Mas aceita por Walter Burkert a acousma pitagórica em Jamblico que transmite a crença segundo a qual as Ilhas dos Bem-aventurados seriam Sol e a Lua (etapa intermediária no caminho solar), enquanto existiria um purgatório atmosférico das almas desencarnadas, já que os pitagóricos consideravam o ar como povoado de demônios (daimon), a região a ser atravessada para alcançar os lugares da beatitude celeste. A ideia de metensomatose, que seria de origem pitagórica, provinda da Índia passando pela Pérsia, é repensada por Walter Burkert como de proveniência órfica, do sul da Itália, tendo sido remanejada por Pitagoras, e implicando em uma concepção pessimista da vida terrestre, ilustrada no dualismo platônico. A metensomatose com suas variantes e correlações dualistas tem um efeito sobre as representações do inferno, como no caso de Platão que é aceita juntamente com a afirmação de um inferno subterrâneo, para punição.
    • O motivo do inferno celeste não existe em Platão, mas pode ser deduzido da escatologia celeste platônica, remanejada por Xenocrates, Crantor ou por Heraclides.
    • Prevalece a hipótese hoje em dia de Heraclides como aquele que transformou a escatologia platônica, substituindo o inferno subterrâneo por um inferno celeste; Ele teria frequentado a Academia em 364. Um tratado dele contendo história de catalépticos célebres seria a base da concepção do inferno celeste.
    • Proclus também relata uma história sobre a morte de um certo Cleonymes de Atenas, sendo sua alma liberada do corpo e lançada nos espaços siderais, de onde contempla a terra em baixo “lugares de diferentes formas e cores e rios que nenhum mortal pode ver”. Junto com outro cataléptico, veem as “almas que são julgadas e punidas e purificadas uma após a outra sob o controle da Eríneas. J.D.P. Bolton acredita que esta passagem é um testemunho irrefutável a respeito do inferno celeste (Mito de Er).
  • Demonização do cosmos
    • Divindades telúricas dos mistérios se tornam urânicas: não apenas Perséfone, mas Cibele, enquanto Attis se torna divindade solar; Hades subterrâneo permanece ainda no século IV: Damascio, Apuleio; Osíris e Sarapis, divindades dos mistérios ctonianos se transforma em deuses celestes.
    • A tradição do inferno subterrâneo, com seus clichês literários, perde credibilidade, daí a abundância de interpretações alegórica; Virgílio guarda a decoração e a geografia, no entanto destrói a validade destas representações. Ele fala da “purificação, da ascensão, da transmigração das almas”. Os Infernos estão localizados na atmosfera e a alma aí é purgada quando da travessia das zonas do ar, da água pluvial e do fogo. Não há concordância sobre o lugar do inferno aéreo: parte mais baixa da atmosfera, assombrada pelos demônios maus, ou toda zona sublunar. Ampliada pelo peso de seus pecados, a alma celeste se torna a presa dos ventos. O papel da lua nestes complexos escatológicos se torna fundamental. É aí que se produz a cisão entre a razão (nous) e a alma (psyche), a qual se dissolve lentamente no reino de Perséfone. O Styx, que delimita este reino, se estende desde a esfera lunar até a terra e ao mais profundo do Tártaro. A lua em sua passagem absorve as almas purificadas e rechaça aquelas que não merecem ainda ascender à existência celeste. “Enquanto criadora e receptora das almas, enquanto região da segunda morte que, cedo ou tarde, porta a psique à quietude da existência elementar, enfim, enquanto lugar de julgamento do bem e do mal, (a lua) tem, com efeito, uma grande influência sobre a vida humana, que vê nela a epifania de sua melhores esperanças, a meta de suas nostalgias mais secretas”.
    • Teorias consideradas “aberrantes” por Franz Cumont, tomarão uma enorme importância a partir do século I dC: “só fazem começar o estadia dos justos acima da esfera das estrelas fixas, e estendiam até as provações purificatórias das almas, que estas fossem queimadas pelos fogos do sol e lavadas pelas águas da lua, ou bem que elas devessem passar através dos círculos planetários, entre os quais se repartiam os quatro elementos”.
      • Sempre no primeiro Enoque, o patriarca visionário, guiado pelo arcanjo Uriel que, em uma das listas angelológicas do apócrifo, se ocupa do mundo humano e do Tártaro (enquanto antes ele tinha justamente a função de vigiar sobre as sete estrelas que pecaram e sobre “a prisão dos anjos, onde serão presos para sempre”), chega a um deserto horrível e vê “sete estrelas como montanhas ardentes”. Uriel lhe explica que se trata das sete estrelas que não escutaram as ordens divinas e não atenderam aos termos prescritos. Um dos capítulos concernindo o Julgamento fala de sete montanhas de metal que aparecerão diante do Messias e “se fundirão diante dele como a cera esquentada pelo fogo”, caindo sem poder.