Escritor suíço que se notabilizou por um estudo sobre o amor no Ocidente, O AMOR E O OCIDENTE (DRAmor), que se consagrou como referência no século XX. De sua tradução abreviada da obra original em francês, estaremos apresentando alguns extratos abaixo.
Atendendo à sugestão de meu editor inglês — que, por um acaso que muito ME honra, é T. S. Eliot — decidi empreender a revisão desta obra.
Três lustros se passaram desde sua publicação, e também uma guerra e muitas experiências que submeteram minhas teses a duras provas. Nada esqueci, mas aprendi um pouco e, aliás, antes vivendo que lendo os meus críticos, pois estes não chegavam a um acordo entre si. Alguns, porém, ME convenceram: substitui, nesta nova versão, vários excessos literários por análises que, desconfio, agravam o meu caso.
Os historiadores deploraram minha insistência nas perturbadoras relações que observei entre cátaros e trovadores: eles próprios não se sentiram perturbados, dada a ausência de “provas” suficientes. Vários teólogos de tradição romana ou grega censuraram-ME amigavelmente por contrastar Eros e Agape de uma maneira demasiado irremediável1, que não dá margem às formas de passagem sem as quais não poderíamos viver. Aos historiadores, responderei simplesmente que estava à procura de um sentido existencial. Portanto, não pensava, absolutamente em lavrar na seara alheia. Os documentos que cito, as aproximações que sugiro, são muito menos provas do que ilustrações. Entretanto, novas pesquisas, a partir de 1939, vieram reforçar minhas hipóteses: utilizei-as sem parcimônia para reescrever quase inteiramente o Livro II, que trata do século XII, do “catarismo”, dos trovadores e de Tristão. Eis o essencial desta nova versão.
Quanto àqueles cuja crítica se ligava ao próprio sentido que julguei poder discernir, estou inclinado a dar-lhes razão em mais de um ponto: eu tinha de aplanar as dificuldades, marcar os contrastes e nem sempre soube matizar o quadro. Um capítulo acrescentado ao Livro VI e inúmeras pequenas correções atestam, assim o espero, um maior realismo.
Descrever o conflito necessário da paixão e do casamento no Ocidente, tal era meu objetivo central; e a meu ver, este permanece o verdadeiro tema, a verdadeira tese de meu livro, tal como ele veio a se constituir.
Quanto à atualidade de minha pesquisa, após a Segunda Guerra Mundial, não a considero absolutamente modificada. Eu havia mencionado, no final do Capítulo V, em particular a possibilidade de um conflito que acabaria com os problemas por mim estudados. Este receio quase se viu justificado e somente posso transferi-lo aos resultados previsíveis de uma guerra atômica intercontinental. Além disso, uma estadia de sete anos na América ME fez ver que o mito da Paixão — degradado em simples romance — está longe de esgotar os seus efeitos; o cinema os propaga no mundo inteiro, e as estatísticas de divórcio permitem medir sua amplitude. Se nossa civilização pretende subsistir, será necessário que faça uma grande revolução; ela precisa reconhecer que o casamento, do qual depende sua estrutura social, é mais grave que o amor que ela cultiva, e que ele necessita de outros fundamentos além de uma bela febre.
As vias desta revolução ainda são imprevisíveis; é o que explico no Livro VI. Pretendo tão-somente sensibilizar a atenção de meus leitores para a presença do mito e, portanto, habilitá-los a detectar suas radiações tanto na vida como na obra de arte. Conduzir alguns espíritos a esta tomada de consciência não pode ser inteiramente vão. Porque se é verdade que as mutações do coração se preparam e se operam no inconsciente, elas datam de fato de sua epifania na expressão escrita, plástica ou pictórica — assim como um amor data de sua primeira declaração.
Ver especialmente a bela obra do P.M.C. d’Arcy, S.J., The mind and heart of love, Londres, 1945, em boa parte consagrada à exposição critica dos pontos de vista representados por Anders Nygren (Eros et Agapè) e por este livro. ↩