Berdiaeff, L’esprit de Dostoïevski. (1945) [1974]
Dostoiévski é, antes de tudo, um grande antropologista, um experimentador da natureza humana. Ele descobre uma nova ciência do homem e aplica a ela um método de investigação até então desconhecido. A ciência artística – ou, se preferirmos, a arte científica de Dostoiévski – estuda a natureza humana em seus abismos sem fundo, em sua extensão sem [51] limites, expondo suas camadas mais profundas e mais ocultas. Trata-se de uma experiência espiritual à qual Dostoiévski submete o homem: ele o coloca em condições excepcionais, removendo uma após outra todas as formações exteriores, minando todas as bases sociais.
Ele conduz seu estudo antropológico segundo o método da arte dionisíaca, e, ao mesmo tempo em que penetra nas profundezas misteriosas da natureza humana, levanta turbilhões que arrastam consigo. Toda a obra de Dostoiévski é uma antropologia em movimento, onde as coisas se revelam em uma atmosfera de êxtase e fogo – de modo que só será inteligível para aqueles que são igualmente arrebatados por este furacão. Nada é estático em tal obra, nada é fixo, petrificado. Tudo é dinamismo, tudo é movimento, um torrente ininterrupto de lava ardente.
Dostoiévski nos conduz aos abismos obscuros, que se abrem no interior do homem, através das trevas mais densas. Nessas trevas, uma luz deve brilhar. E é essa luz que ele quer fazer surgir. Assim, Dostoiévski toma o homem completamente libertado, subtraído às leis, evadido da ordem cósmica, e segue seu destino nessa liberdade, revelando aonde esse destino o conduzirá inevitavelmente. É isso que interessa a Dostoiévski mais do que tudo: o destino do homem que, possuindo a liberdade, se perde fatalmente no arbítrio. É somente então que a profundidade da natureza humana se manifesta.
O segredo dessa profundidade [52] não pode se revelar no curso de uma existência normal, bem estabelecida sobre um solo firme. Não, é apenas no momento em que o homem se levanta contra a ordem objetivamente estabelecida do universo, arranca-se da natureza, de suas raízes orgânicas, e manifesta seu arbítrio, que seu destino interessa a Dostoiévski. O trânsfuga da natureza, da vida organizada, lança-se então, segundo Dostoiévski, no purgatório e no inferno da cidade – e lá percorre seu caminho de sofrimento, expiando sua culpa.