Dostoyevsky: O STÁRIETS

Excertos da tradução de Natália Nunes e Oscar Mendes.

(…) Os especialistas competentes asseguram que a instituição dos stártsi apareceu nos mosteiros russos em época recente, há menos de um século, quando, em todo o Oriente ortodoxo, sobretudo no Sinai e no Monte Atos, existe ela desde bem mais de mil anos. Pretende-se que os stártsi existiam na Rússia em tempos bastante antigos, ou que deveriam ter existido, mas que, em consequência das calamidades que sobrevieram, o jugo tártaro, as perturbações, a interrupção das antigas relações com o Oriente, após a queda de Constantinopla, essa instituição se perdeu entre nós e os stártsi desapareceram. Foi ressuscitada por um dos maiores ascetas, Paísi Vielitchkóvski, e por seus discípulos, mas até o presente, após um século, existe ela em muito poucos conventos e foi mesmo, ou pouco faltou, alvo de perseguições, como uma inovação desconhecida na Rússia. Florescia sobretudo no famoso Eremitério de Kózilhskaia Optínaia, Ignoro quando e por quem foi ela implantada em nosso mosteiro, mas já se haviam sucedido ali três stártsi, dos quais Zósima era o último. Estava quase a sucumbir à fraqueza e às doenças e não se sabia por quem substituí-lo. Para nosso mosteiro, era essa uma séria questão, porque, até o presente, nada o havia distinguido; não possuía nem relíquias santas nem ícones miraculosos, ligando-se as tradições gloriosas à nossa história. Faltavam-lhe igualmente os altos fatos históricos e os serviços prestados à pátria. Tornara-se florescente e famoso em toda a Rússia, graças a seus stártsi, que os peregrinos vinham em multidão ver e ouvir de todos os pontos da Rússia, a milhares de verstas. Que é um stáriets? O stáriets é aquele que absorve vossa alma e vossa vontade nas suas. Tendo escolhido um stáriets, vós abdicais de vossa vontade e lha entregais com toda a obediência, com inteira resignação. O penitente submete-se voluntariamente a essa prova, a essa dura aprendizagem, na esperança de, após um longo estágio, vencer-se a si mesmo, dominar-se a ponto de atingir, afinal, depois de ter obedecido toda a sua vida, a liberdade perfeita, isto é, a liberdade para consigo mesmo, e evitar a sorte daqueles que viveram sem se encontrar a si mesmos. Esta invenção, isto é, a instituição dos stártsi, não é teórica, mas tirada, no Oriente, de uma prática milenar. As obrigações para com o stáriets são bem diversas da “obediência” habitual que sempre existiu igualmente nos mosteiros russos. Lá, a confissão de todos os militantes ao stáriets é perpétua, e o elo que liga o confessor ao confessado, indissolúvel.

Conta-se que, nos tempos antigos do cristianismo, um noviço, depois de haver deixado de cumprir um dever prescrito pelo seu stáriets, abandonou o mosteiro para dirigir-se a outro país, da Síria ao Egito. Ali, praticou atos sublimes e foi por fim julgado digno de sofrer o martírio pela fé. Já a Igreja ia enterrá-lo, reverenciando-o como um santo, quando o diácono proferiu: “Que os catecúmenos saiam!’, o caixão que continha o corpo do mártir foi arrancado de seu lugar e projetado fora do templo três vezes em seguida. Soube-se por fim que aquele santo mártir havia infringido a obediência e abandonado o seu stáriets e que, por consequência, não podia ser perdoado sem o consentimento deste último, malgrado sua vida sublime. Mas quando o stáriets, chamado, o desligou da obediência, pôde-se enterrá-lo sem dificuldade. Sem dúvida, não passa isso de uma antiga lenda, mas eis um fato recente. Um religioso cuidava de sua salvação no Monte Atos, ao qual queria de toda a sua alma, como um santuário e um retiro tranquilo, quando seu stáriets lhe ordenou,, de repente, que partisse para ir primeiro a Jerusalém, visitar os Lugares Santos, depois voltar ao norte, na Sibéria. “Lá é que é teu lugar e não aqui.’ Consternado e desolado, o monge foi procurar o patriarca em Constantinopla e suplicou- lhe que o libertasse da obediência, mas o chefe da Igreja respondeu-lhe que não somente ele, patriarca, não podia desligá-lo, mas não havia nenhum poder no mundo capaz de fazê-lo, exceto o stáriets do qual ele dependia. Vê-se dessa forma que, em certos casos, os stártsi estão investidos duma autoridade sem limites e incompreensível. Eis por que, em muitos de nossos mosteiros, essa instituição foi a princípio quase perseguida. No entanto o povo testemunhou imediatamente grande veneração pelos stártsi. Por isso o povinho e as pessoas mais distintas vinham em multidão prosternar-se diante dos stártsi de nosso mosteiro e lhes confessavam suas dúvidas, seus pecados, seus sofrimentos, implorando conselhos e direções. Vendo o que, os adversários dos stártsi lhes censuravam, entre outras acusações, envilecerem arbitrariamente o sacramento da confissão, se bem que as confidencias ininterruptas do noviço ou dum leigo ao stáriets não tivessem de modo algum o caráter dum sacramento. Seja como for, a instituição dos stártsi manteve-se e implanta-se pouco a pouco nos mosteiros russos. É verdade que esse meio experimentado e já milenar de regeneração moral, que faz o homem passar da escravidão à liberdade, aperfeiçoando-o, pode também tornar-se uma arma de dois gumes: em lugar da humildade e do domínio de si mesmo, pode desenvolver um orgulho satânico e fazer um escravo em lugar de um homem livre.

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