Duração Cósmica (ADPH)

A Pessoa cósmica, Purusha, é o aspecto masculino e inativo de uma dualidade. É por meio de sua contraparte ativa ou feminina, chamada Natureza (Prakriti), que a Pessoa se manifesta. A Pessoa e a Natureza são complementos inseparáveis, e toda forma de manifestação tem a assinatura dessa dualidade.

Uma pessoa é uma entidade cuja unidade persiste nas várias fases de seu desenvolvimento. A Pessoa, Purusha, portanto, depende do substrato do tempo.

Do ponto de vista da duração, o Ser-Total, ou Todo-Cósmico, pode ser visualizado em três planos que são chamados de Impermanente, Permanente e Imutável. O Impermanente inclui os mundos físico e sutil. O Permanente representa as leis invariáveis que governam o surgimento, a existência e o fim do Impermanente. O Imutável é o substrato além da manifestação, além da mudança, além da existência particularizada.

O aspecto impermanente do Ser-cósmico é chamado de Pessoa-destrutível (kshara-purusha); o aspecto permanente é a Pessoa-indestrutível (akshara-purusha); o substrato é a Pessoa-imutável (avyaya-purusha).

É a esses três níveis da Pessoa que pertencem os três elementos que constituem todo ser vivo: substância (artha), atividade (kriyâ) e percepção (jñâna).

“A Pessoa imutável é o meio no qual tudo o que existe é formado, mas Ele mesmo permanece além da ação, além da substância. Ele não é nem o mundo visível nem seu criador, mas a fonte comum de ambos, o ponto de partida das causas eficientes e imanentes da manifestação”. (Giridhara Sharma Chaturvedi, Shiva Mahimâ, Kalyâna, Shiva anka, p. 46).

“Não pensem em mim como seu criador, sou o Imutável que nada cria”. (Bhagavad-Gîtâ, 4, 13.)

“Em mim repousam todos os seres. Não estou neles, nem eles em mim”. (Bhagavad-Gîtâ, 9, 4, 5.)

“Ele não é nem a causa nem o efeito deles. (Shvetâshvatâra Upanishad, 6, 8).

O corpo permanente de leis universais pelo qual todas as formas de manifestação são governadas é chamado de Pessoa-indestrutível. É a estrutura estável dentro da qual o universo se desenvolve. Esse poder, que decide o curso futuro dos planetas, bem como o crescimento de folhas de grama antes que existam, pode ser identificado com a Energia primordial, o motor universal ou a Divindade manifestada (Ishvara). Este corpo de leis imutáveis forma a natureza transcendente (parâ-prakriti) da Pessoa imutável e é representado como seu sopro vital (prâna).

Qualquer esforço para entender a natureza do Universo é uma busca pela Pessoa-indestrutível. A mera observação de formas mutáveis não pode constituir uma ciência verdadeira. A ciência é a percepção das leis permanentes que governam sua evolução.

“Aquele que observa o que muda não percebe a natureza profunda das coisas. É como uma criança que não entende nada. Somente o homem que pode ver pode entender”. (Mahâbhârata, 12, 214, 26.)

A Pessoa-indestrutível é a força (bala) que surge quando as energias latentes da Pessoa imutável se juntam e formam um nó. Esse nó constitui a primeira individualidade, porque toda individualidade, todo eu, é um ponto no qual diferentes formas de energia são amarradas. Do ponto de vista da percepção, por uma inversão de perspectiva, temos a noção de um poder que emana de um Si (âtmashakti) em vez de um poder que possui uma individualidade.

Esse poder da Pessoa-indestrutível é a causa eficiente do universo. Aparece em três planos: Energia, Vida e Ação. O poder potencial, ou seja, o poder latente que existe no estado de sono profundo, é a Energia; o poder ativo, ou seja, o poder pronto para agir, a tensão que existe no pensamento e no sonho, é a Vida (prâna); o poder aplicado, ou seja, a força empregada no estado de vigília, é a Ação (kriyâ). É por isso que vivemos nos sonhos, mas não agimos, existimos no estado de sono profundo, mas não vivemos.

A pessoa indestrutível pode ser subdividida em cinco elementos constituintes chamados de Impulso-interno, Regente-interior, Coração, Impulso-externo e Eu-transmigrante.

O Impulso-interno (antashcara) é uma tendência a se expressar, a se manifestar. Corresponde à tendência de orbitar e, portanto, é um aspecto de Brahmâ, o Ser-imenso.

O Regente-interior (antaryamin) representa a força cósmica latente em todas as formas de existência. Corresponde à tendência coesiva ou centrípeta e, portanto, é um aspecto de Vishnu, o Imanente.

O Coração (hridaya) é o centro do qual emanam as leis naturais que governam todas as coisas. Corresponde a Indra, o Soberano-celeste.

O impulso externo (bahishcara), a atividade perceptível encontrada nos corpos individuais (pinda), tem a forma de combustão identificada com Agni, o Fogo.

O Eu-transmigrante (sûtrâtman) é a substância consumida pela atividade. É identificado com Soma, a oblação, a semente, o combustível.

Esses três últimos aspectos da Pessoa-indestrutível, juntos, são chamados de Maheshvara (o Grande-Deus) ou Shiva (o Senhor-do-sono). Representam as formas da tendência desintegradora ou centrífuga, tamas.

A forma transitória do universo é a Pessoa-destrutível (kshara-purusha). Esse aspecto do Ser-cósmico também é conhecido como o Evoluente (Vikâra) ou o Móvel (Jagat). Esse aspecto, que representa a natureza não transcendente (aparâ-prakriti) da Pessoa-imutável, manifesta-se em cinco formas: o Sopro-vital (Prâna), as Águas-primordiais (Ap), a Palavra (Vâk), o Devorador (Annada) e o Devorado (Anna). Essas cinco formas da Pessoa destrutível são a expressão externa das cinco entidades que constituem a Pessoa-indestrutível.

O Sopro-vital é a expressão do Impulso-interno, ou seja, do Criador Brahma, da tendência orbital que cria o ritmo.

As Águas-primordiais, que são a substância imanente de toda substância aparente, são a expressão de Vishnu, o Imanente.

A Palavra é a manifestação do Coração onde reside a Lei, personificada por Indra, o Soberano-celeste.

O Devorador é a manifestação do Impulso-externo, que é o Fogo (Agni).

O Devorado é a expressão do Eu-transmigrante ou mônada viva, que é Soma, a oblação, a vítima, a semente da vida.

Mais tarde, em relação a Agni e Soma, discutiremos a concepção do universo como o dualismo do devorador e do devorado, representando o processo de toda a existência.

[Alain Daniélou]

Alain Daniélou (1907-1994)