O ritual secreto tântrico apresenta, contudo, outros paralelos com algumas cerimônias gnósticas. Maithuna, de acordo com a tradição tântrica hindu, não implica sempre na retenção do semen virile. Somos, porém, muito pouco informados sobre essas complexas cerimônias sexuais realizadas com objetivos religiosos. Por exemplo, no seu longo tratado Tantraloka, o grande autor hindu do século XI, Abhinavagupta, descreve maithuna como um ritual cujo fim último é alcançar anandavisranti, “descanso na beatitude”. Durante a união ritual, “chega-se ao estado de repouso completo (visrantidhartna) e à absorção de todos os fenômenos pelo próprio ser”. Por outro lado, autores do trabalho mais recente sobre Abhinavagupta observam:
Os versos que realmente se referem ao ato sexual são deliberadamente expressos em termos obscuros e simbólicos, de modo que é difícil compreender precisamente seu significado. As passagens referentes à ejaculação do sêmen são as mais obscuras de todas. Fica bem claro, à p.89 e em toda a obra, que a face da sakti é o cakra mais importante de todos, e parece, embora não estejamos certos de haver entendido as passagens corretamente (p. ex., p. 88), o homem ejacula na boca da mulher. Pode-se deduzir, pelas muitas citações feitas por Jayaratha, que existiu uma literatura bastante complexa e séria sobre o assunto, a qual, infelizmente, não existe mais. Explicando o difícil verso à p. 91 (verso 128), Jayaratha diz que o sêmen devia ser passado várias vezes da boca da mulher para a do homem, sendo finalmente depositado num recipiente sagrado. Alguns versos dos agarras são citados a título de confirmação… o próprio Abhinava discute as várias maneiras de ejaculação, apoiando-se em autores antigos.
Em sua análise dessas mesmas passagens do Tantraloka, Tucci salienta que o kundagolaka – ou seja, a mistura do sêmen com sonita, as secreções femininas – deve ser recolhido no recipiente sagrado. O comentário de Jayaratha indica que o kundagolaka pode ser comido. Segundo o comentário de Tucci:
O fato de que tal coisa possa ser comida é confirmado também por algumas práticas realizadas em altas cerimônias iniciatórias do rNin ma pa, no Tibete, que mostram profunda influência da literatura tântrica xaiva. Identifica-se kundagolaka com cit, ou citta, a consciência presente em nós ab initio, embora aprisionada no tempo-espaço; a cerimônia – desde que não realizada por mero prazer, mas visando a aquisição da compreensão integral de sua experiência – reproduz o processo da criação (visarga) e a reabsorção, reintegração na única realidade, a primeira Consciência, Siva, como a inabalável potencialidade pura.
Um objeto Gandhara, recentemente divulgado e interpretado por Tucci, pode fornecer novos dados sobre esse ritual secreto. Representa um aparador de três faces em que estão esculpidas três imagens, uma delas mostrada no ato da masturbação. Acima desse aparador, há uma cavidade retangular vazia na qual parece provável que se colhia o kundagolaka. Segundo a interpretação de Tucci, essas imagens traduzem as concepções metafísicas dos rituais de uma escola tântrica, a Akula: “Gandhara foi um centro xaivita e algumas escolas xaivas de características próprias desenvolveram no Swat (como a escola Krama).” A importância desse objeto cerimonial deve-se também à sua antiguidade: data do primeiro ou do segundo século da era cristã. Isso quer dizer que essas práticas sexuais secretas documentadas em textos tântricos posteriores “já eram comuns a algumas escolas, cujas denominações variam segundo os pesquisadores, mas que se sabe ter existido em algumas partes da região noroeste do subcontinente indo-paquistanês, no primeiro ou no começo do segundo século d.C.” (Eliade)