Estórias

Jean-Claude Carrière

Como as minhocas que, diz-se, fecundam a terra que atravessam cegamente, as histórias passaram de boca em boca e dizem, há muito, o que nada mais pode dizer. Algumas giram e se enrolam dentro de um mesmo povo. Outras, como que feitas de uma matéria sutil, furam as paredes invisíveis que nos separam, ignoram o tempo e o espaço e simplesmente se perpetuam. Assim, esta conhecida entrada circense, onde alguém procura um objeto perdido em um círculo luminoso, não porque o objeto se perdeu naquele local, mas “porque aqui há luz”, encontra-se em coleções árabes e indianas desde o século X, e talvez antes. Notemos de imediato que tem um significado oculto, como o objeto que se procura. Ela nos diz, além do sabor da anedota, que é melhor olhar para a luz. Se não encontrarmos o objeto perdido, podemos encontrar outra coisa; enquanto no escuro não encontraremos nada.

Esta história – como milhares de outras – sobreviveu a guerras, invasões, a destruição de impérios. Suportou os séculos. Percorreu nossas memórias como muitos de nossos segredos.

Se o conto, antigo prazer universal que exigimos desde a infância, conserva essa tenacidade, é sem dúvida porque contém alguma virtude, algum princípio singular de permanência. A sua principal força é obviamente transportar-nos em poucas palavras para um outro mundo, onde imaginamos coisas em vez de as vivermos, um mundo onde dominamos o espaço e o tempo, onde colocamos personagens impossíveis em movimento, onde povoamos outros planetas à vontade , onde deslizamos criaturas sob as ervas das lagoas, entre as raízes dos carvalhos, onde as salsichas pendem das árvores, onde os riachos correm de volta para a fonte, onde os pássaros falantes raptam crianças, onde os falecidos preocupados voltam em silêncio para reparar um descuido, um mundo sem limites e sem regras, onde organizamos encontros, brigas, paixões como bem entendemos. [Jean-Claude Carrière, Le Cercle des menteurs. Contes philosophiques du monde entier.]

Heinrich Zimmer