Evola Chama Fogo

DOUTRINA DO DESPERTAR — A CONSCIÊNCIA SAMSARICA

SIMBOLISMO DO FOGO E DA CHAMA
O simbolismo da chama e do fogo nos permite já entender aproximativamente a lei da existência condicionada e do devir, enquanto “concupiscência” ou “sede”. Para o resto, que se examine a sede física ou, em geral, a necessidade de alimento. O instinto leva o organismo a se satisfazer, em assimilando e em consumindo algo para se restaurar — se manter. Se manter significa, todavia, dever experimentar, de novo, mais tarde, sede e fome, por conta da lei mesma do organismo, confirmada através da satisfação da necessidade. É assim que, nos Evangelhos, é dito: «Quem quer que beba desta água terá ainda sede; mas aquele que beberá da água que lhe darei, não terá jamais sede; ao contrário, a água que lhe darei, se tornará nele uma fonte de água, brotando até a vida eterna» (Samaritana). Ainda mais adequado é o simbolismo da chama e dos processos de combustão. Deve-se a Dahlke uma explicação deste fogo, tal qual nos permite entender o segredo da vida samsarica. A concupiscência sendo assimilada a um fogo, todo ser vivo se apresenta, não como um «Eu», mas como um processo de combustão, porque, no plano do que aqui se trata, pode-se dizer que tem a concupiscência, melhor ainda, que é, ele mesmo, concupiscência. Logo existe — latente em cada um — uma vontade de queimar, de se tornar chama, em consumindo uma matéria dada. O combustível estimula esta vontade, põe em ato o fogo de um processo de combustão, do qual resulta, todavia, um mais alto grau de calor: o que vem a dizer, uma nova energia potencial de arder, de suscitar um novo incêndio, e assim por diante, recorrentemente. Logo pode-se falar de um processo que, deste ponto de vista, se engendra e se sustenta ele mesmo, a cada momento, na chama, representando um grau calórico dado, o qual, como tal, é a potencialidade de uma nova combustão, desde que se produza o contato com uma nova matéria, apta a queimar. É assim que, no texto já citado, todo contato, toda percepção, visão ou pensamento, são considerados nos termos de uma “arder”. O fogo é a concupiscência que a vontade conduz para tal ou tal contato, no qual se desenvolve e se confirma, se aguçando, por assim dizer, por si mesma e se exasperando no ato de se ressaciar e de consumir o combustível. O «Eu», enquanto santana, enquanto «corrente», não é senão a continuidade deste fogo que se abaixa e se mantém sob as cinzas, quando vem a faltar um material, mas para retomar um novo contato. Como chama conexa a uma matéria ardente ou como chama que é matéria ela mesma, deve portanto ser considerado o processo da vida samsarica. Os contatos se desenvolvem através do apego — upadana. Isso, antes de tudo, se afirma no quíntuplo tronco, já indicado, constituindo a pessoa em geral: organismo corporal, sentimentos, percepções, tendências, consciência individuada. Em queimando potencialmente nos cinco troncos, a sede se desenvolve, depois, em cada um deles, através da série dos contatos com o mundo exterior, o qual, na vontade de queimar e de existir em queimando, se apresenta sob a espécie de um combustível variado que, todavia, tanto mais cresce o braseiro do que parece acalmá-lo com a satisfação. A teoria da anatta, do não-Eu, tem portanto, desta maneira, o seguinte sentido: o Eu não existe fora do processo do arder, é este processo mesmo — no caso onde se produziria uma parada, o «Eu», ele também, a ilusão de ser «Eu», despencaria. Eis portanto a razão da angústia e da «agitação» primordial, da qual já falamos; eis a fonte do «triplo fogo da sensualidade, do ódio e da cegueira» e da vontade mesmo que «faz buscar outros mundos». Na concupiscência, o «Eu» samsarico tem a sustentação, sem a qual despencaria. No sofrimento e na pena age igualmente uma variedade deste fogo oculto, da vontade de existência e de confirmação dos seres condicionados, que conduz, todavia, a uma alteração incessantemente sempre mais profunda.



Julius Evola