Evola Sete

Julius Evola — TRADIÇÃO HERMÉTICA
Já Ostano fala de Sete destilações necessárias para obter das serpentes do monte Olimpo e de outros montes «a Água divina» que mata os vivos e ressuscita os mortos (os estados profundos da consciência sepultados na forma terrestre). E o mesmo dirá Raimundo Lulio acerca da preparação da água-vida que é o «dissolvente» a usar na operação: «Este menstruo retifica-se (leva-se de — a | = ressurreição) sete vezes, retirando de cada vez o resíduo». Flamel adverte que para purificar a «cabeça leprosa do corvo», é necessário mergulhá-la sete vezes na corrente regeneradora do Jordão. De uma lavagem que não é afinal diferente, fala Pernety, acrescentando que se trata da passagem pelos sete planetas, que se realiza com sete operações sucessivas que levam por diferentes estados do Mercúrio, simbolizados pelos diferentes metais alquímicos, até ao estado de Ouro (estado de «aqueles-que-estão» para além das esferas da alteração e do devenir).

No Grande Livro da Natureza fala-se de um dique que impede que as águas passem para um jardim: dique esse que se destrói sob a direção de um rapaz1) «não filho do homem» que ordena: «Despe-te dos teus fatos», o que se explica nos sete graus da «expiação» de que se fala mais adiante. Do mesmo modo, no Chemische Hochzeit von Christian Rosenkreuz de J. V. Andreae, vemos que os candidatos às «núpcias» devem passar a prova dos sete pesos, e depois são sete também os planos da torre do palácio real onde se realiza a ressurreição do Rei e da Rainha ( ~9737~ e ~9789~ ). Segundo Filaleuto, são sete as vezes que têm que circular as Pombas de Vênus, porque no «número sete reside toda a perfeição»; e noutro lugar: «É preciso purificar o Mercúrio pelo menos sete vezes, Então o banho para o Rei está pronto»; e com a imagem do «banho» volta o símbolo da «lavagem», a que se submete quem, sendo Rei por natureza, deve dominar de novo.

No Livro de El Habir diz-se: «Lavai sete vezes a cal ainda não apagada (simbolismo da «aridez» sedenta de Água)»: Ordeno-vos que opereis sobre as cinzas (quer dizer, o que fica depois da ação do Fogo purificador) fazendo-as cozer e regando-as sete vezes (trata-se neste caso da outra modalidade, celeste, da Água, que atua nas «ressurreições»)… Com este procedimento as cinzas tornam-se dóceis, boas e belas, a vós nunca mais conhecereis «a morte».

Noutras ocasiões o «sete» significa períodos de tempo simbólicos (dias, anos, etc.) que, em geral, são referentes à mesma ordem de ideias.

As mesmas sete portas dos Mistérios de Mitra encontram-se na redação árabe do Livro de Ostano: numa visão ocorrida depois de uma ascese, jejum e oração, aparece ao autor um ser que o conduz perante sete portas que guardam os tesouros da Ciência: um animal, cujas partes se devoram entre si, simboliza claramente o desejo que se alimenta de si mesmo, estabelecendo com a sua presença o obstáculo para a realização dos estados transcendentes. E as sete iniciações encontram-se no símbolo dos «sete» degraus da Escada dos Sábios, representada numa estampa do Amphitheatrum Sapientiae Eternae, de Khunrath, obra na qual se encontra também o símbolo de uma «cidadela filosófica» com sete vértices, correspondentes, por sua vez, às sete operações da Arte, enquanto que no centro se encontra o Dragão, símbolo da «matéria-prima».

O véu habitual dos enigmas cai quase completamente neste texto de alquimia mística síria, relativo ao «Espelho» existente num tempo chamado precisamente as «Sete Portas»: «A finalidade do espelho não era permitir que um homem se contemplasse materialmente, porque logo que saísse da frente dele, o homem perdia a memória da sua própria imagem. O espelho representa o Espírito Divino. Quando a alma se vê nele, repudia as vergonhas que nela existem, e deita-as fora… Uma vez purificada, imita e toma como modelo o Espírito Santo; ela própria torna-se espírito; possui a calma e torna incessantemente a este estado superior em que se conhece (o divino) e se é conhecido por ele.

Então, tornada sem sombra, desembaraça-se dos vínculos próprios e dos que tem em comum com o corpo… E afinal o que é que dizem as palavras dos filósofos? Conhece-te a ti mesmo. Com isto querem significar o espelho espiritual e intelectual. E o que é este espelho senão o espírito divino primordial? Quando um homem mora nele e nele se vê, afasta o olhar de tudo quanto possui nome de deus e de demônio e, unindo-se com o Espírito Santo, converte-se num homem perfeito. Vê Deus que está nele… Este espelho está situado acima das sete portas…, que correspondem aos sete céus, acima deste mundo sensível, acima das doze casas (o Zodíaco, as forças da vitalidade animal)… Acima deles está este Olho dos sentidos invisíveis, este Olho do Espírito, que está presente e que está em todo o lado. Nele vê-se este espírito perfeito, em cuja potência tudo está compreendido».

Resumindo: o número sete no hermetismo, segundo o ensino tradicional esotérico, exprime formas transcendentes, não humanas, de consciência e de energia que estão na base das coisas «elementares». A possibilidade de uma dupla relação com respeito a elas explica a doutrina dos dois setenários, um ligado á necessidade e outro resolvido na liberdade.

O estado de corporeidade física no qual se encontra o homem está relacionado com o mistério desta diferenciação do setenário e, através dos «centros de vida», contém o duplo poder das chaves: o de «abrir» e o de «fechar», do solve et coagula (dissolve e coagula) hermético. Purificações, destilações, circulações, despojamentos, calcinações, soluções, ablações, assassínios, banhos, retificações, etc, enquanto relacionados direta ou indiretamente com o número sete, exprimem, na literatura técnica hermética, a obra aplicada aos poderes, pela sua transposição de um modo de ser, a outro modo de ser, «não humano».





  1. Em italiano, está fanciullo. Este termo surgirá ao longo da obra, de tal modo que seria melhor traduzi-lo, ora por infante (no sentido de menino; e outras vezes de filho de rei), ora por criança, ora por menino, ora por filho. Tais traduções faremos, em geral, indicando o termo original; pois que filho, por exemplo, pode vir no original como figlio, simplesmente. (N. do R. 

Julius Evola