Se a Iluminação do Buda foi sua Grande Sabedoria, o primeiro resultado disso foi sua Mahakaruna, ou Grande Compaixão.
Como aconteceu, séculos mais tarde, entre os cristãos, estamos, aqui, na origem da Filosofia oriental, no século VI A.C., não como “amizade” à Sabedoria, mas como Sabedoria perturbada pela Compaixão. Sendo a Sabedoria, por definição, imperturbável, sua perturbação pela Compaixão — como, no cristianismo, pelo Amor — é um misterium tremendum. Seu ensino, a missão “professoral” do Mestre, origina-se mil “infernos” abaixo das considerações políticas e moralistas: a compaixão (Karuna) é o que floresce na sabedoria (Prajna, Sambodhi). O móvel não é o dever (o Sollen do nosso Kant), nem o “amor” como devoção (bhakti), nem o “ódio” como centelha produzida pelas lâminas de duas espadas, mas algo que está além do “amor” e do “ódio”, infinitamente distante do “dever”, algo maior mesmo que o próprio Criador do Mundo. A Filosofia só nasce de equívoco, de quid pro quo, no Ocidente, onde o Sol se põe: Philia? Eros? Agape? Charitas? Ora, a Filosofia, apesar de seu nome, não é uma “atitude” humana para com a Sabedoria, mas a flor da compreensão total do sofrimento. Não se pode olhar e ver o que “é” se estamos interessados, por uma “razão prática”, no que “deve ser”.
Enquanto, no Sábio, a Filosofia é compaixão, no discípulo ela é confiança gerada pelo entendimento (saddha), algo tão distante da “fé” religiosa, quanto da desconfiança hipócrita do ceticismo: “Você deve investigar minhas palavras”, diz o Sábio, “não por causa de reverência a mim”. Do logos greco-cristão, estamos agora em visita ao Dhamma, ontologicamente anterior a todos os Budas e proclamado como verdade por todos eles. Todas as suas inúmeras acepções derivam de dhr, “princípio”, “suporte”, “esteio”, ou seja, todas as coisas que nos sustentam na nossa vida quotidiana.