(…) É certo que Sterckx e Champeaux assinalam que o lugar do Cristo “cronocrator”, tal como representado no pórtico de tantas basílicas romanas (por exemplo em Vézelay, em Autun, em Sainte-Croix de Bordeaux, em Aulnay, etc.), entre os meses e os signos do zodíaco, não é — como se poderia esperar — o solstício astronômico (fim dos Gêmeos, começo de Câncer) de verão, mas está entre Câncer e Leão. Todavia, esses sábios autores não aprofundam o insólito dessa situação zodiacal.
Corrobora tal “anomalia” a frequente interversão dos dois signos zodiacais em questão, não só na entrada Oeste de Aulnay mas ainda sobre as pilastras zodiacais da porta Norte da fachada de Notre-Dame, em Paris. Não há nisso portanto um simples “acidente” de restauração, como o sugerem Sterckx e Champeaux a propósito de Aulnay…
Um tal lugar tão “anômalo” para o Cronocrator, uma tal intervenção dos signos do Câncer-Leão reconduzem ao simbolismo tradicional — e também insólito — dos quatro Evangelistas teriomorfos. Já nos perguntamos muitas vezes por que os quatro Evangelistas não eram simbolizados pelos quatro “animais” (Zoon) simbólicos dos ângulos equinociais e solsticiais do ano trópico (Aries, Câncer, Libra, Capricórnio) mas sim pelos símbolos dos signos “fixos” desse mesmo ano: Touro, Leão, Aguia-Escorpião, Aquário. As explicações puramente anedóticas dadas geralmente pelos pais da Igreja a esses simbolismos tipicamente zodiacais e angulares (a 90 graus um do outro, sobre o zodíaco) nos parecem muito secundárias. Aliás, a liturgia tradicional não é tola, porque coloca nas Epístolas da festa dos evangelistas Mateus e Marcos, assim como na III lição do primeiro noturno das Matinas de São Lucas (18 de outubro) a narrativa da famosa visão de Ezequiel (10-14) relativa aos “quatro Vivos”. Esta última é a chave “explicativa” do insólito deslocamento dos símbolos zodiacais dos evangelistas e do “solstício” crístico.
Com efeito, a tradição do simbolismo dos quatro evangelistas que se mantém desde o alvorecer bizantino da iconografia cristã até o Vaticano II persiste nas escrituras desde as visões de Isaías e de Ezequiel até a visão apocalíptica de João. Ora, as visões de Isaías e de Ezequiel — este último atribuindo mesmo quatro rostos a cada um dos quatro Vivos: homem-leão-boi-águia — se inspiram diretamente nos querubins gigantescos da escultura monumental assírio-babilônica. Tudo se passa como se a referência “zodiacal” de vinte séculos de cristianismo retomasse por sua conta, a partir do Apocalipse, a de oito séculos da tradição profética judaica.
Ora, sabe-se que, pela precessão dos equinócios, o ano trópico se desloca em relação ao ano sideral 55″ por ano, ou seja, 1 grau cada 70 anos — cerca de 30 graus cada 25 séculos. No tempo de Hiparco (130 a.C.), o zodíaco sideral, das constelações, coincidia aproximadamente com o zodíaco trópico, dos signos. E há mais: não só os “ângulos” do céu evangélico e crístico não coincidem com o local trópico dos “ângulos” do primeiro século da era cristã, mas não coincidem também com a posição recíproca signos-constelações da época de Ezequiel (cerca de -6 séculos e meio) ou de Isaías (cerca de -7 séculos e meio). Poder-se-ia pensar que nossos evangelistas “zodiacais”, como o solstício crístico deslocado, se inspiram num deslocamento sideral de cerca de uns vinte anos antes de J. C. Ora, até 2.500 antes de J. C. a constelação do Touro era equinocial e a do Leão solsticial…
Essa discrepância entre os ângulos do ano astronômico e os do “ano crístico” (dir-se-ia melhor “ano místico”) é rica de consequências muito importantes. Em primeiro lugar, figurando a presença crística e evangélica mais de dois mil e quinhentos anos antes da aparição histórica de Jesus, Mateus, Marcos, Lucas ou João, e repetindo a ideia tradicional de que o mundo presente seja “velho” de aproximadamente sessenta séculos (em outras palavras, é a mesma tradição que data o nascimento de Cristo 4.000 anos depois da criação do mundo), o Cristo e a “Palavra” evangélica se colocam na aurora da história, antes mesmo da criação do mundo. Desse modo se afirma uma vez mais a conaturalidade, a coeternidade do Filho e do Pai, do Verbo e de Deus. Assim, toda a tradição das escrituras e da iconografia cristãs, especialmente a católica, situa o Cristo cronocrator “fora da História” ou entre as constelações de Câncer e de Leão (como o demonstram Sterckx e Champeaux num zodíaco interrompido no “solstício” crístico), ou intercambiando deliberadamente esses dois signos, ou ainda colocando “porta-vozes” — os evangelistas — nas constelações angulares do “dia em que nasceram os dias”.
Para nosso propósito vamos mencionar outra consequência, mais modesta — o assentamento dos quatro caminhos do ano litúrgico. Esse “deslocamento” oficializa e legitima de alguma forma a flutuação de datas das duas festas mais importantes, a Páscoa e o Pentecostes, imposta pelo alinhamento de sol e lua.
Em outras palavras, as três grandes observações que acabamos de fazer se harmonizam (v. Ano Litúrgico Judaico Pagão Cristão). As variações das datas anuais da Páscoa, entre 22 de março e 25 de abril (ou seja, aproximadamente 30 graus, o espaço de um signo zodiacal), cobrindo o mês equinocial de Áries, e às consequentes variações de Pentecostes (entre 10 de maio e 10 de junho) correspondem exatamente as variações dos outros meses angulares do ano cristão: mês de Câncer, entre a cúspide desse signo (solstício de verão, o “Natal do verão”) e a cúspide do Leão; mês equinocial de Libra nos quatro tempos do outono; mês solsticial de Capricórnio cobrindo o tempo da Epifania… Em outras palavras, o tempo “místico” não é pontual como o dos astrônomos e dos relógios; tem uma espessura de duração vivida, da “duração concreta”; uma oscilação bem regulada pelos cômputos do número de ouro e das “Letras dominicais” 25 que desenha sobre o círculo do ano uma cruz simétrica, onde cada quadrante ocupa 30 graus depois das portas sazonais do ano.