Gordon Primeiro Ancestral

PIERRE GORDON — A REVELAÇÃO PRIMITIVA

VIDE: Adão

A IMPORTÂNCIA DO PRIMEIRO ANCESTRAL

A importância excepcional do primeiro ancestral como fator de explicação decorre além do mais da simples existência, em todos os povos, de uma mitologia. O mito está sempre ligado com efeito à existência de uma tradição; ele não se apresenta jamais como a invenção de um indivíduo. Ele se modifica, certamente, insensivelmente, no curso do tempo, mas toda modificação e toda adição se imprimindo sobre algum relato anterior fazendo parte do patrimônio ancestral. Para todas as outras noções, a princípio, que formam a ossatura da inteligência acontece o mesmo, posto que todas, primordialmente, se fundiam nos mitos, quer dize nas exposições tradicionais. Qualquer que seja o momento que se vise a história humana, se é remetido a gerações anteriores. Esta nota é capital. Pouco a pouco, ascende-se assim, forçosamente e sempre, até ao primeiro homem, em quem a corrente se inaugura por conta da disparidade entre o estado inicial e o estado de decadência: as lembranças que segundo sua queda mental Adão e Eva tiveram de sua condição antecedente constituem as águas mães do grande rio, ou, para empregar uma outra imagem, o primeiro anelo da grande cadeia da Tradição. Formam também o primeiro minuto do Tempo. Tradição e Tempo vão com efeito juntos. Sem esta descolagem, o funcionamento do espírito humano, tal qual se apresenta a nós, não estaria jamais esboçado. Ou o homem teria permanecido um prodigioso super-homem, tendo plenamente acesso ao dinamismo do Real, e não tendo por conseguinte nenhuma necessidade da Tradição, ou entraria completamente na animalidade, não possuindo então senão uma tradição orgânica, quer dizer instintos. Em outros termos, se o homem tivesse partido simplesmente da animalidade, aí estaria imerso ainda, este cimento intelectual que chamamos tradição não teria jamais tomado consistência. É o fato de ter partido de mais alto, de ter caído mais baixo, de buscar inelutavelmente reganhar o ponto de partida, quer dizer de aspirar a uma recriação, que efetivamente formou a espécie humana e que forma tudo o que há de especificamente humano no homem.

Pierre Gordon