Guénon (RGSC) – Adão-Eva, representação do Homem Universal

Deve-se entender desde o início que a efetiva totalização do ser, estar além de toda condição, é a mesma coisa que a doutrina hindu chama de “Liberação” (Moksha), ou que o esoterismo islâmico chama de “Identidade Suprema”. Além disso, na última forma tradicional, é ensinado que o “Homem Universal”, na medida em que é representado por “Adão e Eva”, tem o número de Alá, que é de fato uma expressão da “Identidade Suprema”1. Uma observação bastante importante deve ser feita a esse respeito, pois pode-se objetar que a designação “AdãoEva”, embora certamente suscetível de transposição, aplica-se em seu sentido próprio apenas ao estado humano primordial: isso porque, embora a “Identidade Suprema” só seja realmente alcançada na totalização dos múltiplos estados, pode-se dizer que ela já é, de certa forma, virtualmente alcançada no estágio “Edênico”, na integração do estado humano trazido de volta ao seu centro original, um centro que é, além disso, como veremos, o ponto de comunicação direta com os outros estados2.

 


  1. Esse número, 66, é dado pela soma dos valores numéricos das letras que formam os nomes Adam wa Hawâ. De acordo com o Gênesis hebraico, o homem, “criado macho e fêmea”, ou seja, em um estado andrógino, é “à imagem de Deus”; e, de acordo com a tradição islâmica, Alá ordenou que os anjos adorassem o homem (Qorân, II, 34; XVII, 61; XVIII 50). O estado andrógino original é o estado humano completo, no qual os elementos complementares, em vez de se oporem, estão perfeitamente equilibrados; voltaremos a esse ponto mais tarde. Apenas acrescentaremos aqui que, na tradição hindu, uma expressão desse estado está contida simbolicamente na palavra Hamsa, onde os dois polos complementares do ser são, além disso, colocados em correspondência com as duas fases da respiração, que representam as da manifestação universal. 

  2. Os dois estágios que estamos indicando aqui na realização da “Identidade Suprema” correspondem à distinção que já fizemos em outro lugar entre o que podemos chamar de “imortalidade efetiva” e “imortalidade virtual” (ver O homem e seu devir de acordo com o Vêdânta, cap. XVIII). 

René Guénon