René Guénon — Grande Tríade: Céu, Terra e Homem
Excertos traduzidos do original francês do “Simbolismo da Cruz”
Segundo a tradição do extremo-oriente, o “homem verdadeiro”(tchenn-jen), é aquele que, tendo realizado o retorno ao “estado primordial”, e por consequencia a plenitude da humanidade, se encontra a princípio estabelecido definitivamente na “Invariável Meio”, e já escapa por isto mesmo as vicissitudes da “roda das coisas”. Acima deste grau está o “homem transcendente” (cheun-jen), que falando corretamente não é mais um homem, posto que foi além da humanidade e está inteiramente liberado das suas condições específicas: é aquele que chegou à realização total, à “Identidade Suprema”; este se tornou portanto verdadeiramente o “Homem Universal”. Não é assim para o “homem verdadeiro” mas no entanto pode-se dizer que este é virtualmente o “Homem Universal”, no sentido que, do momento que não tem mais que percorrer outros estados em modo distintivo, posto que passou da circunferencia ao centro, o estado humano deverá necessariamente ser para ele o estado central do ser total, embora ele ainda não o seja de maneira efetiva.
NOTA: A diferença entre estes dois graus é a mesma que entre aquilo que denominamos alhures a imortalidade virtual e a imortalidade efetivamente realizada (O Homem e seu devir segundo o Vedanta, cap. XVIII): são os dois estados que distinguimos desde o início na realização da “Identidade Suprema”. O “homem verdadeiro” corresponde na terminologia árabe, ao “Homem Primordial” (El-Insanul-qadim) e o “homem transcendental” ao “Homem Universal”(El-Insanul-kamil). Sobre as relações do “homem verdadeiro” e do “homem transcendental”, vide “A Grande Tríade”, cap XVIII.
Isto permite compreender em que sentido deve ser entendido o termo intermediário da “Grande Tríade” que a tradição do extremo-oriente considera: os três termos são “Céu” (Tien), a “Terra” (Ti) e o “Homem” (Jen), este último desempenhando de alguma forma um papel de “mediador” entre os dois outros, como unindo nele suas duas naturezas. É verdade que, mesmo no que concerne o homem individual, pode-se dizer que ele participa realmente do “Céu” e da “Terra”, que são a mesma coisa que Purusha e Prakriti, os dois pólos da manifestação universal; mas não há nada que seja especial ao caso do homem, pois assim é para todo ser manifestado. Para que ele possa preencher efetivamente, a respeito da Existência universal, o papel do qual se trata, é preciso que o homem chegue a se situar no centro de todas as coisas, quer dizer que tenha alcançado pelo menos o estado de “homem verdadeiro”; ainda ele só o exerce efetivamente para um grau da Existência; e é somente no estado do “homem transcendente” que esta possibilidade é realizada na sua plenitude. Isto quer dizer que o verdadeiro “mediador”, no qual a união do “Céu” e da “Terra” está plenamente realizada pela síntese de todos os estados, é o “Homem Universal”, que é idêntico ao Verbo; e notemos de passagem, muitos pontos das tradições ocidentais, mesmo na ordem simplesmente teológica, podem por aí encontrar sua explicação mais profunda.
NOTA: A união do “Céu” e da “Terra” é a mesma coisa que a união de duas naturezas divina e humana na pessoa do Cristo, enquanto este é considerado como o “Homem Universal”. Entre os antigos símbolos do Cristo se encontra a estrela de seis pontas, quer dizer o duplo triângulo do “selo de Salomão” (vide O Rei do Mundo, cap. IV); ou, no simbolismo de uma escola hermética à qual se associavam Alberto o Grande e S. Tomás de Aquino, o triângulo em pé representa a Divindade e o triângulo inverso a natureza humana (“feita à imagem de Deus”, como seu reflexo em sentido inverso no “espelho das Águas”), de modo que a união dos dois triângulos configura àquela das duas natureza (Lahut e Nasut no esoterismo islâmico). Faz-se notar, do ponto de vista especial do Hermetismo, que o ternário humano: “spiritus, animus, corpus”, está em correspondencia com o ternario dos principios alquímicos: “enxofre, mercúrio, sal”. Por outro lado, do ponto de vista do simbolismo numérico, o “selo de Salomão” é a figura do número 6, que é o número “conjuntivo” (a letra vau em hebraico e em árabe), o número da união e da mediação; é também o número da criação, e como tal, convém ainda ao Verbo “per quem omnia facta sunt”. As estrelas de cinco e seis pontas representam respectivamente o “microcosmo” e o “macrocosmo”, e também o homem individual (ligado às cinco condições de seu estado, às quais correspondem os cinco sentidos e os cinco elementos corporais) e o “Homem Universal” ou o Logos. O papel do Verbo, em relação à Existencia universal, pode ainda ser precisada pela adjunção da cruza traçada no interior da figura do “selo de Salomão”: o ramo vertical religa os picos dos dois triângulos opostos, ou os dois pólos da manifestação, e o ramo horizontal representa a “superfície das Águas”. Na tradição do extremo-oriente, encontra-se um símbolo que, embora diferindo do “selo de Salomão” pela disposição, lhe é numericamente equivalente: seis traços paralelos, plenos ou partidos segundo o caso (os sessenta e quatro “Hexagramas” de Wen-wang no I Ching, cada um deles sendo formado pela superposição de dois dos oito koua ou “trigramas” de Fo-hi), constituindo os “gráficos do Verbo” (em relação com o simbolismo do Dragão); e eles representam também o “Homem” como termo médio da “Grande Tríade” (o “trigrama” superior correspondente ao “Céu” e o “trigrama” inferior correspondente à “Terra”, o que os identifica respectivamente aos dois triângulos direito e invertido do “selo de Salomão”).