Primeiro, precisarei de tagarelar também um pouco sobre o livro, as outras novelas. Quero afirmar a Você que, quando escrevi, não foi partindo de pressupostos intelectualizantes, nem cumprindo nenhum planejamento cerebrino’ cerebral deliberado. Ao contrário, tudo, ou quase tudo, foi efervescência de caos, trabalho quase “mediúmnico” e elaboração subconsciente. Depois, então, do livro pronto e publicado, vim achando nele muita coisa ; às vezes, coisas que se haviam urdido por si mesmas, muito milagrosamente. Muita coisa dele, livro, e muita coisa de mim mesmo. Os críticos e analistas descobriram outras, com as quais tive de concordar. Algumas delas é que vou expor aqui a Você – ainda que sem esperança de lhe mostrar nada de novo.
Sem imodéstia, porque tudo isto de modo muito reles, apenas, posso dizer a Você o que Você já sabe : que sou profundamente, essencialmente religioso, ainda que fora do rótulo estricto e das fileiras de qualquer confissão ou seita ; antes, talvez, como o Riobaldo do “G.S. :V.”, pertença eu a todas. E especulativo, demais. Daí, todas as minhas, constantes, preocupações religiosas, metafísicas, embeberem os meus livros. Talvez meio-existencialista-cristão (alguns ME classificam assim), meio neoplatônico (outros ME carimbam disto), e sempre impregnado de hinduísmo (conforme terceiros). Os livros são como eu sou.
E eu mesmo fiquei espantado de ver, a posteriori, como as novelas, umas mais, outras menos, desenvolvem temas que poderiam filiar-se, de algum modo, aos “Diálogos”, remotamente, ou às “Enéadas”, ou ter nos velhos textos hindus qualquer raizinha de partida. Daí, as epígrafes de Plotino e Ruysbroeck.
Por outro lado, o sertão é de suma autenticidade, total. Quando eu escrevi o livro, eu vinha de lá, dominado pela vida e paisagem sertanejas. Por isto mesmo, acho, hoje, que há nele certo exagero na massa da documentação.
Ora, Você já notou, decerto, que, como eu, os meus livros, em essência, são “antiintelectuais” – defendem o altíssimo primado da intuição, da revelação, da inspiração, sobre o bruxolear presunçoso da inteligência reflexiva, da razão, a megera cartesiana. Quero ficar com o Tao, com os Vedas e Upanixades, com os Evangelistas e São Paulo, com Platão, com Plotino, com Bergson, com Berdiaeff – com Cristo, principalmente. Por isto mesmo, como apreço de essência e acentuação, assim gostaria de considerá-los : a) cenário e realidade sertaneja : 1 ponto; b) enredo : 2 pontos; c) poesia : 3 pontos; d) valor metafísico-religioso : 4 pontos. Naturalmente, isto é subjetivo, traduz só a apreciação do autor, e do que o autor gostaria, hoje, que o livro fosse. Mas, em arte, não vale a intenção. Dei toda esta volta, só para reafirmar a Você que os livros, o “Corpo de Baile” principalmente, foram escritos, penso eu, neste espírito.