Hapel (BHRS:30-33) – Ramana e Shankara (2)

Em suas entrevistas, Râmana Maharshi respondeu a muitas perguntas sobre os fundamentos da obra de Shankara e sobre o advaita-vâda, que está em seu cerne e constitui o ensinamento “natural” de Râmana Maharshi. Essas conversas possibilitam estabelecer os fundamentos da obra de Shankara, ajudando a compreendê-la. O aspecto fundamental dessa obra é sua universalidade, sua natureza não sistemática.

Ouçamos Râmana Maharshi: “Os tantristas e outras escolas da mesma tendência condenam a concepção de Shri Shankara chamada Mâyâ-vâda sem entendê-la, muito simplesmente. O que Shankara diz?

1/ Brahma é real.

2/ O universo é um mito [, uma ilusão].

3/ Brahma é o universo.

Shankara não para na segunda proposição; ele a completa com a terceira. O que isso significa? O universo é geralmente concebido como separado de Brahma, mas essa perspectiva é falsa. Seus oponentes ilustram sua tese com o exemplo clássico da corda tomada por uma cobra (rajju-sarpâ). Essa é uma sobreposição incondicionada. Assim que a realidade da corda é reconhecida, a ilusão da cobra é destruída de uma vez por todas. Mas a sobreposição condicionada também deve ser levada em conta, como no exemplo da miragem da sede (mrigatishnâ) ou da miragem em um deserto (maru-marîchikâ). A miragem não desaparece, mesmo quando sua realidade é reconhecida como ilusória. A visão permanece, mas o homem que se conscientizou dela não corre mais em direção à água. Shri Shankara deve, portanto, ser entendido à luz desses dois exemplos. O mundo é um mito. Entretanto, mesmo depois de termos compreendido sua natureza ilusória, ele continua a se manifestar para nós. Portanto, ele deve ser reconhecido como estando em Brahma e não separado Dele.

Mas se dissermos que o mundo aparece, para quem ele aparece? A resposta deve ser “para o Ser”. De que outra forma o mundo poderia aparecer na ausência do Ser, que é o “saber”? Portanto, o Ser é a própria “realidade”. Essa é a conclusão de Shankara. Os fenômenos são reais como o Ser e são ilusórios quando vistos como separados do Ser.

Então, o que dizem os tântricos e outras escolas? Eles defendem a opinião de que os fenômenos são reais porque fazem parte da Realidade suprema na qual aparecem. De fato, essas duas teorias não são semelhantes? Isso é o que eu queria que você entendesse quando disse que a realidade e o mito eram a mesma coisa.

De acordo com certas mentes contrárias, a manifestação da água da miragem é puramente ilusória, seja ela uma ilusão condicionada ou incondicionada, porque essa água não pode ser usada de forma alguma. Por outro lado, a manifestação do mundo não é puramente ilusória, porque é ativa. Então, como podemos colocar a miragem e o mundo no mesmo nível?

Um fenômeno não é real simplesmente porque serve a um ou mais propósitos. As criações de sonhos também têm um propósito, que é justamente dar ao sonho seu verdadeiro significado. A água vista em um sonho não sacia a sede que é sonhada? Entretanto, a criação de sonhos é questionável porque é destruída quando acordamos. Mas a criação do estado de vigília também não é questionável por causa da existência dos outros dois estados [sonhos e sono profundo]? O que não é contínuo não pode ser real. Se algo é real, deve ser sempre real, e não às vezes real e às vezes irreal.

Tudo isso é comparável aos truques dos mágicos. Suas criações parecem reais quando, na verdade, são ilusórias.

Da mesma forma, o mundo não pode ser real em si mesmo, ou seja, separado da “realidade” subjacente e permanente.

Com essas palavras, Râmana Maharshi expõe o cerne da doutrina de Shankara, que, longe de se opor a outros pontos de vista, simplesmente os sintetiza e integra.

Com isso, Shankara amplia totalmente a natureza não sistemática do pensamento hindu, que é articulado em uma infinidade de pontos de vista que não se opõem nem se contradizem.

RAMANA E SHANKARA (3)

Sankara (séc. VIII), Sri Ramana Maharshi (1879-1950)