Hermann Hesse: Viagem ao Oriente

Na Viagem ao Oriente deparamos com uma procura idêntica à anterior — de um eu em busca de si mesmo, de um entendimento harmonioso do universo e de Deus — e com uma série de símbolos também eles de unificação e de totalidade. O que significa esta viagem ao Oriente? É uma viagem difícil de descrever, como diz o narrador, pois nela se tratam de coisas que não se veem e não se sentem distintamente. É uma viagem puramente interior, e o caminho seguido (o do Oriente) não é senão o caminho da descoberta e da realização do próprio eu, pela integração harmoniosa no Eu superior universal. Dos objectivos que os viajantes procuram atingir o narrador refere, para si, a princesa Fátima, e para os outros o Tao, a serpente Kundalini, etc, tentando mostrar como eram diferentes os objectivos de cada um, embora todos estivessem ligados por um elo comum: o de serem membros da Liga, e acima de tudo o de participarem na viagem. O verdadeiro objectivo da viagem, que todos os membros da Liga procuram atingir, pertence à categoria das coisas secretas e por isso não é comunicável, observa o narrador. É um objectivo que tem de ser entendido, como o tentaremos fazer, a partir de outros elementos, ainda que indirectos, que a obra nos forneça. A viagem é iniciática, daí a dificuldade de a descrever, é uma viagem que se situa fora do tempo e do espaço, é uma expedição interior até à «pátria da luz». (G. W. vol. 8, pág. 329). O Oriente é a «pátria da luz», é a «iluminação». Do caminho para a iluminação, para a revelação, se trata aqui, de como o herói narrador primeiro se perdeu dele, e depois novamente o encontrou. O Oriente é, nesta obra, «a pátria e a juventude da Alma, é todos os lugares e nenhum lugar, é a União de todos os tempos» (pág. 338). O Oriente funciona como símbolo da recuperação, da integração harmoniosa do tempo e do espaço, não é uma zona geográfica mas a pátria interior dos iluminados e dos místicos. É do Oriente que vem aos adeptos o desejo de sabedoria, afirma o narrador. O Oriente representa a sua pátria espiritual, o esforço do espírito humano em direcção a ele data de sempre, data de antes do tempo. Progredir em relação ao Oriente é regressar às origens, ao Uno primordial, às mais fundas raízes de si mesmo (como se verá no último capítulo). A princesa Fátima, que o narrador espera encontrar nesse Oriente, traz consigo o eco da mística árabe e sufi, o perfume nostálgico das mil e uma noites da infância (do Paraíso perdido) e a carga dinâmica da Anima, da outra face do eu, oculta, afectiva, criadora, e com a qual a União, a «Conjunção» representa a perfeita conciliação de opostos — do masculino e do feminino, da luz e da sombra, da consciência e do inconsciente. Esta viagem que o narrador descreve, e em que tantos outros membros da Liga (outros eleitos, como Zoroastro, Lao-Tzu, Platão, Pitágoras, Alberto Magno, Novalis, etc, que ele cita) já participaram, é uma viagem sem fim: é o perpétuo fluir da humanidade para o acabamento, a perfeição, o Todo, que em Siddhartha vimos representado pelo rio.

Hermann Hesse