Ananda Coomaraswamy: HIEROS GAMOS
Pierre Gordon: A IMAGEM DO MUNDO NA ANTIGUIDADE
A hierogamia neolítica e o rito de separação, como origem do cosmo
A criação do mundo, por exemplo, não determinava nenhuma perplexidade. Nada parecia mais límpido. O grande ritual de criação partia, com efeito, ao final da era neolítica, de um homem e de uma mulher sexualmente acoplados: estava aí o céu e a terra, primitivamente confundidos, e não formando senão um só bloco; um terceiro oficiante, que representava o ser humano, intervinha de repente para separá-los; ele levantava por seus braços aquele dos dois primeiros atores sagrados que se encontrava sobre o outro; tinha-se assim, por causa do homem, uma cisão entre o céu e a terra; se a mulher, na união hierogâmica, ocupava a posição superior, alcançava-se ao Céu-Mãe e à Terra-Pai (tal como no Antigo Egito, onde Nout, a deusa do céu, é frequentemente figurada como desacoplada do deus terra, Geb, para o qual ela estende os braços e as pernas; é Shou, o espaço-atmosfera, que efetua a disjunção); quando, ao contrário, o lugar de cima era atribuído ao elemento masculino, o rito de separação conduzia ao Céu-Pai e à Terra-Mãe.
O problema do começo do mundo físico se encontrava desde então, graças a esta liturgia, totalmente elucidado. No princípio se encontrava o que se chamará mais tarde, por incompreensão, o Caos, que nada mais era, a princípio, que o universo do dinamismo — diríamos atualmente o universo da energia radiante — quer dizer um cosmos qualitativo, onde os seres e os objetos não aparecem como distintos uns dos outros. A violência do homem rompe esta unidade primordial e introduz a segregação espacial e temporal. Os seres foram doravante cindidos e parecem deter cada um uma parcela autônoma de existência. Eles não se integram mais em um só e mesmo Ser. Houve doravante um domínio divino e um domínio humano. O Céu e a Terra constituíram dois polos em aparência independentes, embora complementares. O primeiro homem tinha, verdadeiramente, feito nascer, por seu pecado, o mundo que temos sob os olhos; tinha-se aí a causa do universo.
Teríamos, certamente, nos equivocado muito em desdenhar estas concepções, pois não descobrimos nada melhor para explicar que o cosmos da energia radiante, que é o único real e eterno, seja apreendido pelo ser humano não em sua essência, mas sob o aspecto de um cosmos de mecanismos espaço-temporais e de matéria opaca. Ao final do neolítico estas visões ofereciam além do mais a vantagem de se associar estreitamente ao ritual fálico, o qual se propunha restabelecer, pela união sexual praticada de uma maneira santa, de como sacramento, a unidade primitiva do céu e da terra; a integração de um sexo no outro, efetuada em certas condições, suprimia o Múltiplo e elevava o casal humano à existência divina primordial. Tal é a significação, extremamente profunda e nobre, dos cultos fálicos, nos quais os historiadores das religiões veem tão tolamente, com desprezo, uma «magia da fecundidade»: aquilo que estas práticas só se tornaram ao cabo de muitos milênios, quando, a ascese iniciática tendo cedido, sua grandeza cessou de ser entendida.
Esta liturgia de criação punha em relevo, por outro lado, o papel de demiurgo que foi aquele do primeiro homem no advento do mundo apreendido como físico. Ela fez aparecer que este universo, em seu elemento inferior, quer dizer espaço-temporal, se encontra totalmente dependente do estado de decadência do pensamento humano, e que a restauração do potencial mental primitivo marca o retorno ao estado sobre-humano, dito de outra maneira, à anulação do cosmos fenomenal. — Ela mostrou, por outro lado, que na origem de tudo se descobre o Amor: o amor total e integralmente unificador, no mundo de radiância; em seguida, por degradação, ao estado de decadência, no mundo espaço-temporal da separação, o amor-desejo. De tais noções não resultaram, repitamos, investigações especulativas. Elas foram a expressão direta das cerimônias rituais. Elas se referiam, como dissemos acima, à experiência litúrgica. Eis aí o que lhes deu força, sua tenacidade, e também sua magnificência.