Homem-deus

DOSTOIEVSKI, Fiodor. Os Irmãos Karamázov. Tr. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2012

– É a mim que vais matar? Não, vais ME desculpar, pois vou falar. Vim para cá justo com o fim de ME dar esse prazer. Oh, amo os sonhos dos meus amigos ardentes, jovens, que a sofreguidão de viver deixa trêmulos! “Novos homens virão”, proclamaste ainda na primavera passada, quando te preparavas para vir para cá, “eles tencionam destruir tudo e começar pela antropofagia. Tolos, não ME consultaram! A meu ver, nem é preciso destruir nada, mas só e unicamente destruir na humanidade a ideia de Deus, eis de onde é preciso começar! É daí, é daí que se precisa começar — oh, cegos, que nada compreendem! Quando a humanidade, sem exceção, tiver renegado Deus (e creio que essa era — um paralelo aos períodos geológicos — virá), então cairá por si só, sem antropofagia, toda a velha concepção de mundo e, principalmente, toda a velha moral, e começará o inteiramente novo. Os homens se juntarão para tomar da vida tudo o que ela pode dar, mas visando unicamente à felicidade e à alegria neste mundo1). O homem alcançará sua grandeza imbuindo-se do espírito de uma divina e titânica altivez, e surgirá o homem-deus. Vencendo, a cada hora, com sua vontade e ciência, uma natureza já sem limites, o homem sentirá assim e a cada hora um gozo tão elevado que este lhe substituirá todas as antigas esperanças no gozo celestial. Cada um saberá que é plenamente mortal, não tem ressurreição, e aceitará a morte com altivez e tranquilidade, como um deus. Por altivez compreenderá que não há razão para reclamar de que a vida é um instante, e amará seu irmão já sem esperar qualquer recompensa. O amor satisfará apenas um instante da vida, mas a simples consciência de sua fugacidade reforçará a chama desse amor tanto quanto ela antes se dissipava na esperança de um amor além-túmulo e infinito”… e assim por diante, tudo coisas desse gênero. Um primor!


  1. A imagem da felicidade dos homens na Terra sem Deus se manifesta reiteradas vezes na consciência dos personagens de Dostoiévski. Em O adolescente, com o personagem Viersílov; em Os demônios, nas confissões de Stavróguin. (N. da E. 

Páginas em