(…) Algumas escolas filosóficas brâmanes — por exemplo, a Nyâya-Vaisesika ou a “primeira Mimamsa” — admitem uma espécie de paralelismo entre as palavras e as coisas, no sentido de que a correspondência entre uma e outra teria sido estabelecida originalmente, no início de cada criação ou recriação do mundo, pelo Senhor Supremo (Isvara) ou expressaria a ordem imanente do universo, o dharma. Todas essas escolas ensinam que os principais tipos de palavras (substantivos, adjetivos, pronomes, verbos, etc.), bem como os casos (nominativo, acusativo, etc.) e as relações sintáticas dentro da frase correspondem a tantas categorias de realidade ou padârtha (lit.: “objetos da palavra”). Assim, substância (dravya) corresponde ao substantivo, qualidade (guna) ao adjetivo, ação (karman) ao verbo e assim por diante. Além disso, graças à interação de “características gerais” (sâmanya) e “características particulares” (visesa), a linguagem é capaz de ser universal (por exemplo, no raciocínio abstrato) e de designar sem ambiguidade o sensível imediato. Os representantes dessas escolas, que têm em comum uma confiança geral na linguagem, acreditam que ela nos proporciona — exceto em casos especiais, que devem ser reconhecidos e tratados como tal — um sólido controle da realidade. Ao mesmo tempo — e isso não é coincidência —,a maioria delas faz apenas elogios à doutrina da ignorância metafísica.
Por outro lado, outras escolas de pensamento, principalmente entre elas a Sâmkhya-Yoga, Vedanta e todas as escolas budistas, extraem um ensinamento totalmente diferente de Pânini. Não que elas questionem a validade ou a relevância “técnica” da análise dos fatos linguísticos proposta pelos teóricos do sânscrito, mas essa estruturação da realidade pela linguagem parece refletir a ignorância metafísica e contribuir da maneira mais insidiosa e fatal para reforçá-la, a ponto de torná-la praticamente intransponível, pelo menos com base apenas nos recursos da mente humana. A ideia norteadora aqui é que as verdadeiras unidades constituintes da linguagem são sentenças ou proposições (vâkya), e não palavras. A estrutura essencial de qualquer frase consiste na relação que a mediação do verbo introduz entre o sujeito (kartr, lit. “agente”) e o objeto (karman), com os outros termos presentes em uma determinada frase servindo apenas para qualificar o sujeito ou o objeto, ou as modalidades de sua relação. A relação em si, expressa pelo verbo, é essencialmente concebida como uma ação modificadora exercida pelo sujeito sobre o objeto. Mesmo quando a relação parece ser de contemplação ou intelecção, os gramáticos indianos se esforçam para concebê-la como um grau mínimo de atividade. Eles apontam, por exemplo, que as palavras que significam “concepção” ou “compreensão” são construídas sobre raízes verbais como I ou GAM, que significam propriamente “ir em direção a”, “ir para” ou “entrar em”.
Isto significa que toda a linguagem é organizada em torno do sujeito, o único centro de iniciativa e o foco de toda intenção de significado. Esses mesmos gramáticos foram — ao que parece — os primeiros na história a começar a pensar sobre as “pessoas” do discurso. Isso lhes permitiu destacar a primazia do que chamaríamos de primeira pessoa (o Eu ou Nós), em relação à qual as outras pessoas adquirem significado, enquanto o contrário é inconcebível. Mas, no processo, passaram a entender a solidariedade essencial que liga a primeira pessoa às outras duas, já que a linguagem é sempre (pelo menos potencialmente) um discurso dirigido a alguém sobre alguém ou alguma coisa. Mas essa mesma estrutura dialógica, por sua vez, levou a uma conscientização por parte do sujeito falante da reversibilidade de papéis: a possibilidade de ele ou ela, a qualquer momento, tornar-se o objeto do discurso ou da ação de outra pessoa.